Edição 168 Dezembro/2012

Bem-estar

E quando não há prejuízo, para que mudar?

Nosso inconsciente resiste às mudanças justamente por ser programado para economizar esforços

Uma coisa é certa: não pensamos em abandonar algo que acreditamos não nos prejudicar. “Quando alguém pensa em mudar um hábito, isso indica que ele mais perde do que ganha na manutenção desse comportamento repetitivo. Como o processo não é fácil, vale a pena continuar tentando, mesmo após frustrações. E, para que a mudança realmente ocorra, é preciso entender cada uma das dificuldades que surgem. É comum desanimar diante de um obstáculo, mas não se pode desistir. Vale analisar a situação, descobrir o que está sendo feito de errado e, se preciso, procurar ajuda especializada para chegar ao objetivo final”, explica Julia.

Nosso inconsciente resiste às mudanças justamente por ser programado para economizar esforços. Aquilo que fazemos rotineiramente torna-se fácil e, por incrível que pareça, representa um recurso para facilitar nosso dia a dia. “Imagine se você tivesse de tornar consciente o ato de andar, comer, dirigir. O problema ocorre quando alguns de seus padrões de hábito inconscientes não funcionam mais tão bem para você. Eles podem automaticamente impedir você de obter o que quer”, lembra Billy.

De acordo com professora Janaína, a força de vontade, a motivação e a disciplina são fundamentais para nos livramos de um comportamento que aprisiona, como a preguiça. “Mudar dá trabalho, é sofrido. É cômodo ficar na zona de conforto, mas, seguramente, o ‘não movimento’ dá muito mais trabalho. Porque o desconforto da mudança acontece durante um período, mas depois você chega ao estágio em que fica satisfeito, feliz e, sucessivamente, atinge outro patamar, de maior conforto ainda”, revela.

Por que algumas ações se tornam repetitivas?

Nos últimos anos, pesquisas vêm mostrando que o caminho para se livrar de um mau hábito não é tentar eliminá-lo, mas substituí-lo por outro, bom. O jornalista americano Charles Duhigg revela em seu livro The Power of Habit: Why We Do What We Do in Life and Business (O Poder do Hábito: Por que Fazemos o que Fazemos na Vida e nos Negócios) que a chave para se exercitar regularmente, perder peso, tornar-se uma pessoa mais produtiva e ter sucesso é entender como os hábitos funcionam. Transformar algo negativo em positivo pode gerar bilhões e significar a diferença entre fracasso e sucesso, vida e morte.

Os especialistas são unânimes em afirmar que os hábitos se formam a partir da repetição. São caminhos gravados em nossos neurônios, e não adianta querer eliminá-los simplesmente, pois eles permanecem. A não ser que você grave novos e, de preferência, bons hábitos por cima. Como nosso cérebro prefere ações automáticas, com uma dose de disciplina e persistência, é possível reprogramá-lo. Para isso, basta identificar os comportamentos que incomodam e entender os gatilhos que os disparam. Logo ficará mais simples substituí-los por alternativas que só façam bem. Seja trocar biscoitos gordurosos por uma barra de cereal; ler um livro em vez de ver TV antes de dormir; ou mesmo preferir subir de escada e não de elevador para o trabalho. “Pense no que você quer mudar e seja positivo. Quando a coisa parecer difícil demais, lembre-se: só precisamos repetir o esforço de início para automatizar o bom comportamento por toda a vida”, lembra Julia.

É importante considerar também que é raro alguém ser bem-sucedido na primeira tentativa de abandonar um hábito ruim. “Ao se propor mudar, a pessoa deve se dar um prazo e criar uma linha de ação a ser seguida aos poucos. O cérebro trabalha melhor com especificação. Se quer um novo hábito, o segredo é a repetição. A ideia é dar uma nova rota para seu cérebro. Ele tende a voltar para a rota antiga, mas, depois de algumas repetições, aprende a nova”, afirma Billy.

A insatisfação como gatilho

A insatisfação é um gatilho para promover alterações nos hábitos diários. No entanto, há outros fatores capazes de impulsionar mudanças. “O querer é nosso, mas um estímulo vindo do outro pode ser motivador. Um exemplo clássico é o das pessoas que começam a fazer exercício físico num momento ruim da vida, como uma separação. Nesses casos, a autoestima está lá embaixo e aquele que foi abandonado quer ficar bonito para conquistar outro amor. Assim, de um momento triste nasce o desejo de uma mudança que será positiva na própria vida”, comenta Janaína.

Julia observa que a palavra ‘mudança’ provoca medo em muita gente. Subentende a necessidade de se fazer um novo movimento direcionado para um lugar lá na frente, onde se quer chegar, com possibilidades de sucesso ou fracasso ainda desconhecidas. Muitos preferem permanecer em relações afetivas desgastadas, trabalhos que não trazem satisfação, hábitos que já dão sinais de que fazem mal à saúde apenas por temer o resultado dessas mudanças. Mudança não combina com apego à zona de conforto nem com uma autoimagem cristalizada, de quem pensa ‘eu nasci assim, vou ser sempre assim’. “A crença que se tinha de que o cérebro só crescia na fase da infância já não serve mais como desculpa para não mudar. Sabe-se hoje, graças à neurociência, da existência da neuroplasticidade, que é a capacidade de remapearmos as conexões de nossas células nervosas. Novos aprendizados sempre podem promover novas respostas durante a vida, não apenas quando se é criança”, explica Julia.

Mas a decisão de mudar um hábito só virá a partir do reconhecimento de que algo definitivamente não vai bem, ou de que pode ser melhorado. Embora cause desconforto, o conflito em si não é algo negativo. “Sem ele, não haveria as mudanças tão necessárias ao desenvolvimento humano. O conflito só se torna negativo quando, ao contrário, paralisa por falta de recursos internos”, conta a psicóloga.

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