Edição 163 Fevereiro/2012

vida boa

Solidariedade animal

Para muitas pessoas, a aposentadoria representa um momento de descanso, dúvida ou até mesmo depressão, por não saberem o que fazer com o tempo livre. Para mim, o período pós-trabalho foi decisivo para alçar novos voos e pôr para fora a workaholic que vive em mim.

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Comecei a trabalhar muito nova. Aos 16 anos, ajudava meu pai como secretária em sua oficina e, já naquela época, contribuía para o INSS, o que me permitiu, em julho de 1999, após 23 anos de BB, me aposentar relativamente cedo, aos 43 anos.

Com uma filha adolescente para criar e muita vontade de fazer algo que complementasse minha renda, resolvi, cerca de um ano antes de me aposentar – ocupando um cargo de escriturária no antigo Cesec (Centro de Processamento de Dados), em Vila Isabel, na Zona Norte do Rio – fazer um curso que me desse uma nova profissão rapidamente, já que não queria exercer a Psicologia, na qual era formada.

Ingressei, então, na primeira turma de design de interiores da Universidade Estácio de Sá, num curso politécnico de 18 meses. Formei-me pouco depois da aposentadoria e coloquei como meta me estabelecer no setor em um ano. Após esse período, em 2001, senti necessidade de me tornar arquiteta, para ser uma profissional ainda mais completa. Segui em frente e concluí minha terceira graduação.

Paralelamente à arquitetura, comecei a fazer trabalhos sociais e de assistência a animais, pois sempre gostei de bichos. Em 2009, conheci uma senhora que mantinha um sítio em Guaratiba, próximo a minha casa, no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio. Ela me contou que cuidava de 300 cachorros e 150 gatos. Minha participação nessa história começou assim, por acaso, quando ela me perguntou se eu podia ajudá-la a providenciar a troca da tela do gatil. Fizemos uma rifa, conseguimos a verba necessária, e, com meus contatos de fornecedores, pudemos realizar a troca.

No entanto, mesmo engajada no apoio a esse trabalho, nunca havia ido ao sítio daquela senhora, até ser levada por uma das voluntárias. E descobri que aquilo não era um abrigo, mas um depósito de animais. Fiquei em choque com o que vi: sem estrutura física adequada, os cachorros e gatos viviam em condições impossíveis, subnutridos, sujos, doentes. Aquilo me deixou mal. Chorei muito e resolvi começar a ajudar efetivamente.

Minha primeira contribuição foi o projeto de uma espécie de edícula (pequena casa) para o atendimento dos animais. A essa altura eu já havia me envolvido de tal forma com a causa que acabei eu mesma bancando a construção do espaço. Ele daria também melhores condições de trabalho a nós, voluntários. A partir daí, comecei a realizar campanhas, rifas, encontros. Patrocinamos a venda de produtos para gerar renda e ir em frente.

Entretanto, ao perceber que nosso trabalho de voluntariado estava sendo em vão, pois a proprietária daquele lugar não tinha o menor comprometimento com os cachorros e gatos que viviam ali, decidi me mobilizar para criar um lugar próprio para eles, depois de tentar, sem sucesso, comprar o sítio.

Gatos e cachorros, para mim, têm rosto e nome. Assim como outras espécies de animais, só oferecem amor em troca dos bons cuidados que recebem. Essa crença fez com que eu e duas veterinárias voluntárias montássemos um grupo sólido para dar um novo destino àqueles animais.

Em abril de 2011, num esforço coletivo, compramos um terreno de 2 mil metros quadrados em Sepetiba, também na Zona Oeste. A partir daí, decidimos criar uma ONG, a Focinhos de Luz. É uma casa de passagem, onde o animal é tratado, tem sua autoestima recuperada, é ressocializado e fica, assim, apto à adoção.

Já criamos na ONG uma sala para administração, depósitos, banheiros, área de serviços e varanda, além de sete canis de quarentena, dois canis para antissociais e quatro gatis. Temos outra pretensão: quando conseguirmos verba, construir uma clínica veterinária no galpão que já existe no terreno. E há ainda o projeto de montar 20 canis de residência, azulejados, com área coberta, além de solário feito com telha reciclada, o que dará maior conforto térmico aos animais. Dez já estão prontos. Temos também uma área de lazer, água fresca, ventilador nos canis. Criamos um lar para esses animais que, aos poucos, serão adotados por quem entende que eles precisam de carinho e amor.

No total, são 20 profissionais comprometidos em proteger os animais. Somos arquitetos, veterinários, administradores e engenheiros trabalhando em parceria com padrinhos que nos ajudam a manter vivos seres adoráveis como Futrica, Fofoca e Pedrinho, alguns dos cerca de 130 animais que conseguimos salvar.

Hoje, dispomos de aproximadamente 60 cachorros para adoção, além dos gatos que ainda estão em espaços alugados, que podem ser encontrados nas feiras que realizamos. Quem quiser nos ajudar e conhecer nosso trabalho pode entrar em nosso site Focinhos de Luz ou em nossa página no Facebook.

Enfim, estou tão feliz com tudo que tenho feito na minha aposentadoria que acho que preciso de férias!

 

Thaisa Calvente,

psicóloga, arquiteta, cuidadora de animais e aposentada do BB

Contato: thaisacalvente@globo.com

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