|nº 138| Dez 08

Nesta Edição » Entrevista » A melhor coisa do mundo é ser dono do próprio tempo

Revista – O senhor saiu do Planalto depois de dois anos, seu plano já era trabalhar por conta própria, sem fazer parte dos grandes veículos?
Kotscho –
Isso foi amadurecendo quando estava lá, preocupava-me com o futuro. Depois de ver por dentro o governo e as relações com a grande mídia, não tinha vontade de voltar para lugar nenhum, tinha trabalhado em todos os veículos grandes, só não trabalhei na Veja e na Record. Aí surgiu um convite do Luiz Schwartz, editor da Companhia das Letras, para fazer um livro de memórias. Como faço muitas palestras, muitos professores me sugeriam escrever sobre o que eu falava.
Em 2005, fui remunerado para fazer o livro, com uma antecipação de direitos autorais. Descobri que dava pra viver com frilas, escrevendo no site NoMínimo. Empatando estava bom, preciso de dinheiro para pagar as contas, ir à praia, só não gosto de ficar devendo. E hoje dá para fazer isso, muita gente jovem faz, trabalha como freelancer porque a melhor coisa do mundo é ser dono do próprio tempo, fazer sua agenda. No jornal, quem faz a agenda é o chefe, o editor, o pauteiro. No governo, o presidente. Agora sou eu. É a melhor coisa.
Trabalho também na revista Brasileiros, cujo dono é um fotógrafo, ex-diretor da IstoÉ que, ao receber a indenização, realizou o sonho de todo jornalista: fazer o próprio veículo. Por sorte, não entrei como sócio, porque não sei lidar com dinheiro. E faço muita palestra também. No governo, era palestra não remunerada, por causa do código de ética. E parei. Depois, não sabia cobrar, ou fazia de graça ou por pouco, pela passagem ou cerveja. A minha filha passou a cuidar de mim, agora estou ganhando bem. Faço menos palestras, porque alguns não aceitam, mas ganho mais.

Revista – A aposentadoria para profissões como a de jornalista costuma ser uma realidade distante. Como o senhor vê a questão?
Kotscho –
Já pensei em parar há algum tempo, mas não tem mais sentido. Com internet, no meu blog, não paro mais. Você pode ir para o sítio, para a praia, e trabalhar. A profissão é muito estressante de modo geral e, no meu caso, mais ainda porque eu só viajava, a vida inteira. Conheço todo o Brasil, todos os estados, e metade do mundo, como repórter e assessor do Lula. Em 1994, rodamos 50 mil quilômetros de ônibus na Caravana da Cidadania. Na quinta Caravana eu já não agüentava mais. Como a idéia tinha sido minha, tinha que seguir. Meu sonho era morar na praia, tentei uma vez em 2000, fiquei dois meses e vim embora.
O problema da aposentadoria é que, quando comecei a trabalhar, eu contribuía sobre 20 salários mínimos, o teto da época, e receberia isso. Hoje, com o salário mínimo de R$ 415, seriam R$ 8,3 mil, mas o teto caiu para dez salários e ninguém se aposenta com o teto, porque tem a média. Minha mãe se aposentou com o teto, trabalhou a vida inteira na Volkswagen e no fim da vida ganhava dois mínimos. Por isso, não é por ser uma entrevista para a Revista PREVI, é o que falo também para minhas filhas. Começou a trabalhar, entre para um plano de previdência complementar. É básico, como plano de saúde. Já terminei os 20 anos em que tinha de pagar para a previdência privada e tirei o montante. Foi a melhor coisa que fiz. É a garantia que tenho hoje.

Revista – E o blog? Como foi a transição do NoMínimo para o blog?
Kotscho –
No NoMínimo não tinha periodicidade, mas pagavam por coluna, e bem. Resolvi fazer toda semana. Depois, entraram em uma crise, e passou a ser mensal. Uma coluna por mês é nada, mas pagava meu aluguel. Faliu o site, aí fiquei sem fazer internet. Em abril, passei a ser fixo no IG para fazer coluna e agora o blog também. Reportagem, entrevista, o que eu tiver de material sem exigência de volume, e uma reportagem por mês para a Brasileiros. No blog não tem periodicidade definida, foi uma exigência que fiz, porque se ficar o dia inteiro na frente do computador, como vou ter novidade? Muita gente faz isso. Só fala sobre o que terceiros apuraram. Acho um horror, sempre gostei de escrever sobre o que vi, nem por telefone gosto de fazer matéria. É contar história, que sempre foi minha profissão.

Revista – Existe alguma diferença na produção do impresso para o on-line?
Kotscho –
Na linguagem, no tipo de matéria que faço, não faz diferença. Tanto faz escrever para a Brasileiros, uma revista mensal, quanto para o jornal, para um site ou um livro. Este livro Uma Vida Nova e Feliz é formado de artigos escritos para o NoMínimo e saiu em livro. Varia de caso a caso, conto histórias, novidades, tanto faz. Só escrevo no blog quando dá vontade.

Revista – Com as novas tecnologias, é mais fácil fazer esse tipo de escolha profissional, de organizar o próprio tempo? Pode ser uma tendência?
Kotscho –
Já é, mas não geral. Conversando com o presidente da agência Mapi, o Ricardo Sérgio, bem mais jovem que eu, de 40 anos, dei o livro para ele, que disse que queria chegar a esse ponto. Quando entreguei o livro para o Fernando Henrique Cardoso, por ocasião de uma entrevista, ele disse que estava como eu. Do governo, a única coisa de que sinto falta são as secretárias, organizadíssimas. Até hoje, às vezes apelo para elas. Mas é isso que vivemos hoje, antigamente, o cara se aposentava e não fazia mais nada. Hoje, se aposenta e continua trabalhando.

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