Edição 201 Abril/2019

vida boa

O Caminho de Santiago me escolheu

Minha história com o Caminho de Santiago começou totalmente por acaso e se tornou uma bela lição de vida.

Minha história com o Caminho de Santiago começou totalmente por acaso e se tornou uma bela lição de vida. Uma volta para o meu interior. Mais que uma viagem, uma experiência que me faz agradecer por tudo o que tenho. É impressionante como aquele lugar muda a nossa percepção do que é importante e me fez querer voltar para poder desfrutar da caminhada com mais atenção, com toda a sutileza e intensidade que a viagem merece.

Embora minha primeira vez no Caminho tenha acontecido apenas depois da aposentadoria, tudo começou quando ainda estava na ativa, na Previ. Em 2015, eu li uma reportagem numa revista do Banco do Brasil sobre uns colegas que tinham feito o Caminho a pé e de bicicleta. Nunca tinha ouvido falar desse lugar, tampouco dessa caminhada. Mas achei interessante e pensei que poderia ser algo a fazer no futuro.

E o futuro não estava muito longe. Em agosto daquele ano, depois de quase 30 anos de Banco, decidi aderir ao PAI (Plano de Aposentadoria Incentivada). Achei que estava na hora de me aposentar e ter tempo para fazer outras coisas que a vida na ativa não me permitia. Foi então que comecei a pensar mais seriamente em colocar em prática a ideia de percorrer o Caminho de Santiago.


Escolha do trajeto e a preparação

Comecei a ler sobre o assunto e pesquisar as possibilidades para decidir como fazer essa Caminhada. Não é uma viagem que se faz sem programação. É preciso pensar em muitas coisas, e a primeira delas é o trajeto a percorrer.

São vários os percursos possíveis, com níveis de dificuldade, paisagens e tempo de deslocamento diferentes. Eu escolhi o caminho francês que começa em Saint-Jean-Pied-de-Port, na França, e vai até Santiago de Compostela, na Espanha. Descobri, como todos aqueles peregrinos que fazem o passeio, que independentemente do percurso escolhido, o Caminho é transformador e traz, sobretudo, reflexão e autoconhecimento.

Tão logo me aposentei, em agosto de 2015, comecei a colocar a ideia em prática. A partir daí, até o dia da viagem, em 1º de maio de 2016, eu me preparei: fiz exames cardiológicos para saber se teria fôlego para essa empreitada, e treinei a minha capacidade de andar longos trechos fazendo caminhadas por ruas e parques de Salvador. Foi suficiente.

Então, depois de nove meses me preparando física e psicologicamente, saí de Salvador rumo a Paris para iniciar minha caminhada. Foram 800km em 34 dias para chegar ao meu destino: Santiago de Compostela. Uma verdadeira aventura na qual eu estive sozinho, em boa parte do tempo, mas nunca solitário.

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Caminhando e pensando

Acho que é difícil fazer quem não esteve lá entender o quanto essa caminhada é significativa para quem a faz. Em média, eu caminhava uns 38 quilômetros diariamente. Foram 34 dias andando por paisagens lindas, castelos e vilarejos, encontrando com muita gente pelo trajeto. Mas em muitos momentos, são apenas você, o caminho e seus pensamentos.

A viagem é cansativa, árdua, mas, ao mesmo tempo, revitalizante. É claro que houve momentos em que me perguntei o que estava fazendo ali. Mas, logo depois, toda aquela vibração da natureza, do lugar, me fazia sentir a vida pulsar dentro de mim. Quantas sensações a gente vive pelo Caminho...

Acho que nunca tinha parado para avaliar minha vida como eu fiz naquela viagem. Você pensa e repensa tudo o que tem, tudo o que deseja. Passa a dar ainda mais valor às coisas simples do dia a dia que a gente nem lembra de agradecer. É uma viagem para dentro da gente.

Ao longo do caminho, por mais que estivesse viajando sozinho, fui encontrando pessoas incríveis. Um morador aqui, um peregrino ali. Algumas que eu jamais conheceria se não estivesse ali.

O mais legal é que ali a gente vive de uma forma diferente da qual estamos acostumados. Depois que começa a andar pelo Caminho de Santiago, parece que você se desconecta do mundo. A vida passa a acontecer em um ritmo próprio, no qual você e a natureza se integram. Eu andava grandes trajetos por dia, no meu ritmo, de acordo com as minhas possibilidades, carregando tudo o que eu precisava na minha mochila. Dormi em albergues em povoados que só existem porque o Caminho passa por ali. É de uma simplicidade e uma pureza que fazem bem à alma.

E se o Caminho nos faz refletir, também nos alegra os olhos. Afinal, a primavera na Europa é linda. Com temperaturas agradáveis, nessa época, o trajeto está repleto de flores e lindas paisagens que ficam registradas na alma. Pessoas que você nunca viu na vida aparecem no seu caminho, contam histórias e é como se você as conhecesse a vida inteira. E da mesma forma que aparecem, desaparecem. Essa é uma viagem só de ida, porque o Caminho nunca mais sairá de dentro de você.

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A volta ao começo e a chegada ao fim da Terra

E a prova de que o Caminho não sai de dentro de quem o percorre é que, em 2018, eu refiz a viagem. No dia 4 de maio eu saí novamente de Salvador com destino a Paris. Três amigos seguiram viagem comigo, mas, chegando lá, cada um fez o seu trajeto, no seu tempo.

Dessa vez, eu ampliei o percurso em quatro dias e 88km, indo além de Santiago de Compostela e chegando a Finisterre, ou melhor dizendo, ao Fim da Terra – onde terminavam as peregrinações iniciadas há séculos atrás. Finisterre é uma linda cidade à beira mar, cheia de praias, pescadores, penhascos e lindas paisagens na Espanha. O destino perfeito para terminar, pela segunda vez, essa caminhada de corpo e alma. Uma viagem ainda mais reveladora sobre quem eu sou, o que tenho e o que desejo da vida. Uma caminhada ainda mais proveitosa e prazerosa, na qual a vida pulsava de maneira ainda mais intensa dentro de mim.

E a sensação de bem-estar, de valorização da minha vida e do que é importante para mim é tão grande que está contagiando quem convive comigo. Ano que vem, provavelmente em maio por conta do clima ameno, devo fazer o Caminho novamente, dessa vez acompanhado de dois amigos do Banco. A ideia é sair da França e seguirmos além de Finisterra, chegando até Muxia, também no litoral Espanhol. Vai ser bom fazer esse caminho com eles. E quem sabe um dia eu não consigo, além do incentivo, a companhia dos meus filhos Gesner Junior e Allan Gesner, e da minha esposa Nadja?

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Aulas e livros

Enquanto isso, eu sigo minha vida de aposentado-estudante que conquistei depois de muitos anos de trabalho. Aliás, estudar e ler livros são duas paixões da vida inteira, que agora eu consigo executar com mais dedicação e prazer depois que saí da ativa. Uma vida inteira de trabalho e dedicação ao BB, onde comecei em 1986 e me aposentei em 2015, como analista da Gerência de Controles Internos (Gecoi), em Salvador.

Eu fui muito feliz em todos esses anos no Banco, em agências na Bahia. Quando fiz o concurso, em 1985, morava em Aracaju e cursava Engenharia Química. Trabalhava em um fábrica de transformação de carne há três meses quando me convocaram para tomar posse na agência de Inhambuque, uma pequena cidade no interior da Bahia. Começava ali, naquele novo estado, a minha vida profissional e familiar.

Fiquei nessa primeira agência por cinco anos e depois fui transferido para Ipupiara, também no interior do estado, para ser gerente de expediente. Trabalhei com afinco e fui recompensado por isso: em 1995 fui enviado para a agência de Salvador, e lá fiquei até a minha aposentadoria, em 2015.

Nesse meio tempo, além de investir na minha vida profissional, formei minha família que segue crescendo. Em 1987, eu casei com a Nadja e, no mesmo ano, nasceu nosso primeiro filho, o Gesner Junior; em 1990, tivemos o Allan; e agora, acabo de me tornar avô do Pedro.

Enquanto trabalhava no BB, estudei Administração e Direito na Universidade Católica de Salvador. E, em 2016, já aposentado, comecei finalmente o curso de Filosofia na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Hoje, além das aulas na universidade, uso meu tempo livre para aperfeiçoar meu inglês com cursos semanais. Assim, aperfeiçoo o idioma e me preparo ainda mais para a próxima viagem.

E, nesse meio tempo, eu desfruto da companhia da minha família, dos meus amigos e dos meus livros, que compõem a minha biblioteca, meu lugar favorito em casa.


Previ é fundamental

E se hoje eu consigo colocar meus sonhos em prática é porque eu tenho um complemento de aposentadoria que me permite isso. Poder contar com a Previ é um privilégio para quem trabalha no Banco do Brasil que ninguém devia deixar passar. Principalmente hoje em dia, quando a Previdência Social está sofrendo tantas mudanças, poder contar com o benefício pago pela Previ é fundamental. Sempre falei com os colegas mais novos sobre as vantagens de ser associado. Não dá para questionar. 

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A história do Caminho

A história do Caminho é bem interessante. Seis anos após a crucificação de Cristo, Tiago, o Maior, viajou para pregar o cristianismo na Península Ibérica. O apóstolo chegou em Finisterre e propagou o Evangelho na Galícia. Ao voltar para a Palestina, foi decapitado por ordem do rei Herodes Agripa. O corpo do apóstolo foi roubado e transportado por seus discípulos Teodoro e Atanásio para ser enterrado em terras ocidentais conforme a sua vontade.

O Caminho surgiu com a descoberta do túmulo do apóstolo, no século IX, pelo camponês Pelayo, que viu um “caminho de estrelas” descendo sobre o campo. No século XII, Santiago de Compostela – derivação de “São Tiago dos Campos Estelares” – foi reconhecido pela Igreja como um dos três grandes centros cristãos de peregrinação. E as outras rotas levam até Roma e Jerusalém.


Certificados de caminhada

A Compostela é o certificado que comprova a realização do Caminho. Para recebê-la, você precisa ter caminhado, no mínimo, 100km até Santiago. Há outras duas formas de ganhá-la: a cavalo ou de bicicleta. Para ambas, é necessário percorrer 200km até Santiago. O certificado é gratuito. Além da Compostela, o peregrino pode ter o Certificado de Distância Percorrida, um documento que diz a sua distância percorrida até Santiago. Esse serviço é pago e custa 3 euros. Tudo isso é solicitado na Oficina do Peregrino, que está localizada próxima à Catedral de Santiago, na Galícia.

Gesner Andrade Nery,
aposentado da Previ, estudante de Filosofia e andarilho do Caminho de Santiago de Compostela
Contato: gesnernery@hotmail.com

 

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