Edição 167 Outubro/2012

vida boa

De bicicleta, rumo à liberdade

"Minha maior alegria é saber que consegui enxergar aquilo que muita gente não repara na correria do dia a dia: a beleza da vida", conta Walter Gealh

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O prazer que eu tinha de andar de bicicleta na infância e na adolescência – e ficou adormecido durante minha vida adulta – voltou a ser despertado quando estava prestes a me aposentar do Banco do Brasil. Conversando com amigos num churrasco do pessoal do trabalho, um deles me perguntou o que eu faria quando parasse de trabalhar. Respondi que iria para Bombinhas, em Santa Catarina, andar de bicicleta na praia. Ele entendeu que eu iria para lá de bicicleta, literalmente, e a notícia se espalhou pela turma. Sem querer desmentir a informação, transformei a confusão em um desafio que uniu dois grandes amores: pedalar e viajar. E foi assim que dei início às minhas voltas de bicicleta sozinho, pelas estradas do Brasil e do mundo, me conectando à natureza, curtindo cada lugar, e aproveitando a minha aposentadoria.

A primeira aventura aconteceu pouco depois que me aposentei. O pessoal começou a me cobrar a viagem, que exigiu uma preparação intensa, já que não era um simples passeio. Para percorrer os cerca de 700 km entre Maringá, no Paraná – onde moro –, e Bombinhas, em Santa Catarina – onde tenho uma casa de praia –, fiz treinamentos a fim de ganhar resistência muscular, um check-up pessoal e da bike, e providenciei a bagagem, que pesava mais de 30 kg. Com tudo pronto, em abril de 2004, aos 54 anos, iniciei a viagem, rumo a meu novo destino de aposentado. Desbravar as estradas sozinho, fazendo turismo por conta própria, passou a ser o meu destino, até quando minha saúde permitir. Faço essas viagens por puro prazer, como uma forma de  me  divertir,  e  não  para  ganhar  dinheiro  ou levantar qualquer tipo de bandeira. Meu objetivo é apreciar as paisagens, conhecer novos lugares, saborear a culinária local, observar os costumes e o modo de viver das pessoas por onde passo, neste nosso Brasil Continental. Por isso, sigo sozinho, por conta própria, sem nenhum tipo de patrocínio. Assim, posso ir aonde quiser, parar onde e quando desejar. Se tiver que fazer algum reparo na bike, paro e resolvo sem me preocupar. Enfim, percorro o trajeto à minha maneira, no meu tempo.

É bem verdade que minha mulher, Dalva, meus filhosWalter Cristiano, Mariana e Fábio, e meu neto, João Pedro, não gostam muito dessa história de eu sair por aí, pedalando, sem data para voltar. Mas sei que, mesmo preocupados, eles me apoiam, porque querem me ver feliz. Nesses aproximadamente 15 mil quilômetros percorridos em oito anos, minha maior alegria é saber que consegui enxergar aquilo que muita gente não repara na correria do dia a dia: a beleza da vida.

Os passeios acontecem sem pressa, e muitas vezes os trajetos são divididos em duas ou mais etapas. Já percorri a Costa brasileira, do Rio Grande do Norte ao Rio Grande do Sul, numa viagem de 4.500 km, que durou 56 dias. Saí de Foz do Iguaçu e fui até o Chuí, passando por Buenos Aires, Argentina, e Montevidéu, Uruguai. E percorri os 497 km do Caminho da Fé, entre São Paulo e Minas Gerais. De Maringá fui até Caxias do Sul e Gramado, no Rio Grande do Sul. Também fui de bicicleta até a cidade de São Joaquim passando pela Serra do Rio do Rastro, lá em Santa Catarina, entre outros trechos menores, por cidades próximas.  

O primeiro trajeto foi, talvez, o mais difícil e cansativo, mas extremamente recompensador. Enfrentei estradas ruins, muita chuva, problemas na bicicleta, dificuldade para me hospedar. Cheguei a pensar em desistir, mas minha motivação em concluir aquele desafio era muito maior. E, depois de sete dias, a primeira aventura chegava ao fim. O resultado foi tão bom – já que conheci lugares e pessoas incríveis, passei por situações inusitadas e me senti tão mais próximo da natureza e de Deus – que decidi não mais parar, uma vez que agora, aposentado do Plano 1, tenho muito tempo e disposição física.

Minha aventura mais recente foi passar 29 dias entre Natal, no Rio Grande do Norte, e Jericoacoara, no Ceará. Os lugares, as pessoas, as comidas, tudo me encantou naquela terra de beleza ímpar, com lindas paisagens e gente simples. O trecho entre Santiago, no Chile, até Bariloche, na Argentina, pedalando pela região dos lagos e a Cordilheira dos Andes, é meu próximo destino. A viagem deve durar uns 25 dias e acontecerá, provavelmente, ainda este ano. 

Acredite: pedalar pelas estradas, seja por onde for, é uma das coisas que mais me deixa feliz na vida. E os destinos são os mais variados, que surgem a partir da minha curiosidade em conhecê-los como turista.

Até agora, percorri mais de 15 mil quilômetros entre as estradas do Brasil, Argentina e Uruguai. Mas as rodas da minha magrela vão chegar ainda mais longe. Quero conhecer muitos lugares e, como sei que essa vida de ciclista não vai durar tanto tempo assim – afinal, já completei 60 anos e não me imagino com mais de 70 percorrendo o mundo de bicicleta – quero  fechar  essa  fase da minha vida com um percurso de gala: em quatro etapas de 20 dias cada, viajar pela Europa. Já tenho tudo planejado, inclusive o trajeto, só falta colocar as rodas da bike nas estradas do Velho Continente. Ao fim desse período de aventuras, a edição de um livro contará tudo o que vivi e senti ao rasgar a brisa das mais variadas estradas do nosso planeta.

Walter Gealh, ciclista, aposentado do Plano 1

Contato: waltergealh@bol.com.br

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