Edição 161 Outubro/2011

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Vida financeira

Especialistas discutem as causas do excesso de endividamento pessoal, indicam estratégias para evitar o problema e dão dicas para sair dessa armadilha

Pagar a dívida do cheque especial com o cartão de crédito, pagar a conta do cartão no rotativo, pegar um empréstimo no banco para cobrir os gastos do mês e entrar de novo no cheque especial para recomeçar o ciclo. Quando o endividamento sai do controle, está criado um problema que exige mudança de hábitos e disciplina para ser resolvido.

A Revista PREVI consultou especialistas para discutir as causas que levam ao excesso de endividamento pessoal, estratégias para evitar esse problema e dicas para sair da inadimplência. “Consumir é bom e as pessoas não fazem contas, por isso acabam querendo viver em um padrão acima de seu nível de renda”, observa o economista Roberto Zentgraf, professor do IBMEC-RJ, que escreve uma coluna sobre finanças pessoais às segundas-feiras no jornal O Globo. Ricardo Teixeira, professor da Fundação Getulio Vargas, por sua vez, diz que quem está com o orçamento descontrolado deve ser realista ao renegociar suas dívidas. “Não adianta se enganar e aceitar uma proposta de parcelamento que você não pode pagar”, alerta.

Já o economista Gilberto Braga lembra que o 13º salário deve ser aproveitado para redução ou quitação total das dívidas. “Assim como a restituição do imposto de renda”, diz. A psicóloga Helena Mourão, especialista em psicologia econômica, no entanto, observa que muitas decisões que podem levar ao descontrole financeiro são tomadas a partir de mecanismos inconscientes. “A autoanálise ajuda nesses casos”, diz. “Perceber essas pequenas armadilhas pode levar a uma vida financeira mais saudável, mesmo para quem não sofre com excesso de endividamento”, completa.

O que leva as pessoas ao endividamento excessivo?

 

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Roberto Zentgraf: Vários fatores. A mídia estimula demais o consumo e agora as pessoas têm a sensação de ter mais dinheiro no bolso. Outro aspecto é a redução dos juros da poupança e da renda fixa. A maioria pensa: “Que adianta guardar se vai render tão pouco?” e acaba gastando por conta. Com isso, reduz sua própria aposentadoria ou seu próprio patrimônio com dívidas. Por último, é preciso aprender a viver com o próprio orçamento. Consumir é bom, mas as pessoas não fazem contas, por isso acabam querendo viver em um padrão acima de seu nível de renda.

Ricardo Teixeira: Os principais motivos são a compra por impulso e a falta de disciplina no orçamento. A partir daí, surgem armadilhas do financiamento, como o juro rotativo do cartão de crédito. Você parcela uma compra no cartão, não consegue pagar a fatura e depois tem de arcar com um juro alto sobre aquela dívida que já foi parcelada.

Gilberto Braga: Grande parte da inadimplência acontece com pessoas que perdem o emprego. Cerca de 50% dos inadimplentes tinham seus créditos sob controle, mas, quando ficam desempregados, deixam de pagar as parcelas. Além disso, também existe uma situação social em que falta educação financeira para uma grande camada da população jovem que ascendeu social e profissionalmente, e tem acesso a crédito fácil. Com isso, alguns perdem o controle dos gastos e se endividam. Entre a população de mais idade, que normalmente tem mais controle da situação, o endividamento acontece muitas vezes para ajudar filhos, netos e outros parentes. Evidentemente, também existem os motivos de força maior, imprevistos como doenças ou acidentes. Mas normalmente eles levam ao descontrole financeiro quando a pessoa não está prevenida.

Helena Mourão: Quando se sentir compelido a uma compra por impulso, adie o gasto por um dia, ou pelo menos dê uma volta antes de decidir. Se estiver endividado, evite andar com o cartão no bolso e guarde-o em uma gaveta bem funda. O uso do cartão é para quem sabe lidar com o crédito. Procure andar com a quantia exata para suas despesas no bolso. A quantia em dinheiro serve como auxílio visual para controlar os gastos.

O grande problema é o endividamento crônico, quando a pessoa se acostuma a viver endividada. Isso é um problema comportamental. Comparo essa situação com a da pessoa que não consegue fazer dieta. Em geral, são pessoas que não conseguem lidar com o adiamento do prazer, não conseguem deixar esse impulso para o dia seguinte. Há estudos – ainda não conclusivos – que apontam para uma tendência maior dos endividados crônicos à depressão e a comportamentos compulsivos, como adição a álcool ou drogas.

O que fazer para sair do endividamento crônico?

 

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Ricardo Teixeira: Em caso de descontrole é preciso dar um freio de arrumação. Primeiro, convém levantar todas as dívidas, para verificar quais você pode resolver mais rápido. Não recomendo atacar necessariamente as maiores, mas aquelas em que os juros e as multas são maiores, e então zerar o máximo de dívidas que for possível. Se tiver algum bem de valor do qual possa se desfazer, venda.

Pegar um empréstimo a juros mais baixos para liquidar as dívidas também é uma alternativa, mas sempre com muito cuidado para que a parcela da nova dívida caiba em seu orçamento. Vender o carro, usar o dinheiro para pagar a dívida e assumir um financiamento automotivo pode ser uma jogada interessante, mas tenha cuidado, porque se você não pagar as prestações perde o novo carro.

Quanto às dívidas que sobrarem, você deve renegociar com os credores. Mas não adianta se enganar e aceitar uma proposta de parcelamento que não se pode pagar. Se você fizer isso, perde duas vezes, e a dívida pode ficar ainda mais alta.

Gilberto Braga: Creio que o ideal é tentar unificar as dívidas em uma só, buscando a taxa mais baixa possível. Agora, se o devedor estiver em uma situação de insolvência, pendurado no cheque especial, no cartão, no consignado e no empréstimo ao mesmo tempo, o melhor mesmo é procurar ajuda profissional. Muitas cidades mantêm serviços de defesa dos direitos do cidadão que podem intermediar negociações. Em 80% dos casos, é possível reduzir a dívida.

Roberto Zentgraf: Quem está endividado deve priorizar as dívidas mais caras. Se for pegar um empréstimo mais barato para liquidar o que está devendo, procure pegar o valor exato. Se está devendo R$ 20 mil, não pegue R$ 30 mil para fazer uma reserva. Se você está nessa situação é porque provavelmente não sabe lidar com crédito e o ideal é ficar um tempo sem contrair novas dívidas. E, se tiver alguma aplicação financeira, liquide-a. Se ela estava guardada para uma emergência, lembre-se de que você já está nela. Se deve R$ 20 mil no cartão de crédito e tem R$ 20 mil na poupança, não faz sentido guardar o dinheiro. Em dois meses, sua poupança terá R$ 20.200 e a dívida terá subido para R$ 24.200.

Por outro lado, se pegar um empréstimo por 60 meses, com parcelas de R$ 500, por exemplo, aproveite o lado bom. Você terá de se acostumar a viver com R$ 500 a menos em seu orçamento. Quando o parcelamento acabar, terá se acostumado com isso e pode usar essa sobra para começar um fundo de emergência.

Como lidar com os pedidos de parentes, que podem levar os aposentados ao endividamento?

 

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Gilberto Braga: O ideal é se esquivar ou então ajudar da maneira que puder. É melhor doar R$ 200 do que se endividar para emprestar R$ 2 mil e acabar não recebendo o dinheiro de volta. Analise sua capacidade de pagamento e não vá além do seu limite, considerando sempre o pior cenário, que é não receber de volta o dinheiro que emprestou.

Roberto Zentgraf: Em primeiro lugar, é quase certo que você não vai receber esse dinheiro de volta. Se você pegar um empréstimo para dar esse dinheiro, será duplamente prejudicado. Então, se quer ajudar, faça isso, mas não entre em dívida. Além do mais, não adianta resolver um problema criando outro. Se esse empréstimo ainda por cima for para um filho, creio que é uma situação de risco moral. Se ele sabe que você sempre vai segurar a barra dele, será irresponsável com dinheiro. É claro que existem situações reais de emergência, mas normalmente não se trata disso. O excesso de proteção é contraproducente.

Helena Mourão: O endividado compulsivo costuma ser muito sedutor, então é comum que convença outras pessoas da família a emprestar dinheiro para ele. E é mais fácil ceder a essa sedução se a pessoa sente culpa ou é superprotetora nesse relacionamento. Isso é muito comum em famílias em que uma pessoa se coloca como centralizadora, provedora única das necessidades da família.

Ricardo Teixeira: Quem está endividado não pode ter vergonha de pedir ajuda. O auxílio dos parentes, no entanto, não precisa ser necessariamente em dinheiro. Eles também podem ajudar a pessoa endividada a se controlar, encontrar alternativas, renegociar.

Há alguma diferença no comportamento de homens e mulheres em relação a dívidas?

Gilberto Braga: Em volume, normalmente não. Mas as mulheres tendem a se endividar com várias pequenas despesas. Uma sandália, uma blusa, uma saia e, de repente, estão devendo R$ 500 no cartão. Os homens tendem a se endividar com grandes despesas de uma só vez. Trocam o som do carro e ficam devendo os mesmos R$ 500.

As mulheres também costumam cair mais frequentemente no que eu chamo de compensação. “Vou me dar um presente, já que trabalhei tanto, porque eu mereço!”

Helena Mourão: Os endividados compram para si mesmos um presente de grego. Quando esse comportamento é compulsivo, eles exigem essa compensação imediatamente.

Que fenômenos nos levam a tomar decisões financeiras irracionais?

 

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Helena Mourão: Os casos de compulsão podem ser tratados com terapia e até medicação. Mas, além deles, existem mecanismos inconscientes presentes mesmo nas decisões de pessoas financeiramente equilibradas. Estar atento a eles pode melhorar nossa saúde financeira. Um desses fenômenos é a chamada “contabilidade mental”. Nós tendemos a separar as mesmas quantias em “gavetas mentais” diferentes. Dez reais valem a mesma coisa no trabalho ou se eu acho na rua, mas a tendência é gastar mais fácil os R$ 10 que você achou na rua.

Outro mecanismo interessante é o da ancoragem. Temos a percepção de registrar mais fortemente o primeiro valor que vemos. Se achamos uma TV com um cartaz anunciando uma promoção de R$ 1 mil por R$ 800, achamos que estamos economizando R$ 200, em vez de perceber que gastamos R$ 800. Também tendemos a desprezar pequenos valores. Se nos dão um desconto de R$ 5 num produto que vale R$ 10, achamos um grande negócio. Mas se dão um desconto de R$ 5 num produto que vale R$ 1 mil, nós não damos a menor importância. Só que a economia é a mesma em valores absolutos. 

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