A melhor coisa do mundo é ser dono do próprio tempo
O jornalista Ricardo Kotscho,
um dos maiores repórteres da
história do jornalismo brasileiro,
saiu da grande imprensa e
hoje escreve livros, faz blog,
administra a própria vida
Ricardo Kotscho, como ele mesmo diz,
já passou por praticamente todos os
grandes veículos de mídia do país.
Além disso, participou das campanhas
presidenciais de Luiz Inácio Lula
da Silva até 2002, como assessor de imprensa.
Também foi titular da Secretaria de Imprensa
da Presidência da República entre 2003 e 2004.
Com esse currículo, ainda faltava algo em sua
carreira: trabalhar por conta própria, sem preocupação
com horários e compromissos com
um chefe. Parte desse “vôo solo” é contada no
livro Uma Vida Nova e Feliz, que reúne os textos
publicados entre 2005 e 2007 no site NoMínimo.
Kotscho também ganhou em outubro deste ano
o Troféu Especial de Imprensa da ONU, em comemoração
aos 60 anos da Declaração Universal
dos Direitos Humanos e os 30 anos do Prêmio Vladimir Herzog. Na entrevista a seguir, fala
sobre sua carreira, conta como era o dia-a-dia
do Planalto e como foi essa mudança em sua
trajetória profissional.
Revista PREVI – Qual foi seu primeiro trabalho?
Ricardo Kotscho – Antes de começar como
jornalista, aos 16 anos, em um jornal de bairro,
trabalhei como ajudante de jornaleiro. Sempre
gostei muito de ler jornal, gibi. Lia tudo de graça e
ainda ganhava um troco. A Gazeta de Santo Amaro
chegava à banca onde eu trabalhava e comentei
uma vez com o dono: “um dia eu gostaria de
escrever em um jornal...” Ele perguntou por que
eu não ia até lá, tentar alguma coisa, ele conhecia
o dono. Fiz um teste e fiquei por três anos, não
precisava de diploma naquela época.
Depois, fui para o Estadão (O Estado de S.Paulo),
aos 18 anos, e me dei bem. Logo virei repórter especial,
hoje é muito difícil acontecer isso. Na família,
tinha um avô jornalista que morreu na guerra,
a quem não cheguei a conhecer. Era o herói da
família, o herói invisível, todo mundo falava dele.
Fiquei com aquilo na cabeça. Ler jornal me ajudou
a aprender português, porque até os seis anos eu
só falava alemão em casa. Meu pai assinava o Estadão,
então tive contato com o idioma e aprendi
a ler. Por coincidência, fui trabalhar lá. E não parei
mais, não sei fazer outra coisa na vida. Antes, como
todo mundo, queria ser jogador de futebol, cantor...
Quem não dá certo em nada na vida, não serve para
ser advogado, engenheiro nem bancário, vai ser
jornalista. E se não sabe escrever vai ser fotógrafo.
Se nem isso sabe, vira chefe (risos).
Revista – depois disso, o senhor não saiu mais
da grande imprensa?
Kotscho – Saí em 1988 para a primeira campanha
do Lula. Trabalhava na sucursal do Jornal
do Brasil, tinha sido correspondente no exterior,
e ele me chamou para trabalhar. Tomei um susto,
porque nem era filiado ao PT, mas era amigo do
Lula. Mas não queria ser assessor de imprensa,
porque não gostava e nunca tinha feito esse tipo de
trabalho. Daí ele respondeu: “se eu tô chamando é porque é você mesmo, eu também nunca fui
candidato a presidente” (risos). Minha mulher
deu a maior força. O salário era bem menor, no
JB ganhava como repórter especial, enquanto na
campanha fui com o piso [da categoria] como
funcionário do PT. Fiz a campanha, depois voltei
ao Jornal do Brasil. Em 1994, Lula foi candidato
de novo, saí para a campanha para voltar depois.
E assim foi até 2002.
Revista – Há muita diferença no trabalho no
Planalto em relação às experiências anteriores?
Kotscho – Hoje é legal porque tenho muita
história, era o começo do governo – os dois primeiros anos – e tudo era mais difícil. Não
tinha a menor idéia de como mexer naquelas
coisas, ninguém tinha. A maioria nunca tinha
sido governo, a não ser o [Antonio] Palocci, que
foi prefeito de Ribeirão Preto. O resto aprendia
no dia-a-dia. Nunca fiquei na redação, sempre
dei mais valor à rua, como repórter de geral.
Em Brasília, era muito gabinete, paletó e gravata,
audiência, autoridades, rituais... É uma
coisa terrível porque muitos jornalistas, colegas
nossos, não aceitavam Lula como presidente da
República. Toda hora diziam: “Com o Fernando
Henrique era diferente”. Foi um estranhamento
para todo mundo; para nós, que não conhecíamos
a máquina, e para os jornalistas, porque o
Lula rompia os esquemas, inclusive de segurança,
entrava no meio do povo. No começo, isso dava
tumulto e eu tinha que organizar os jornalistas
que saíam atrás dele.
E outra: no começo, o Lula não queria atender à imprensa, não sei por quê. Agora, fala todo dia,
mas naquela época não queria. O presidente e
os ministros reclamavam da imprensa, e eu no
meio do fogo cruzado. Sofri para caramba, fiquei
doente. O salário era muito baixo, fui ganhar
um terço do que ganhava na Folha de S. Paulo. Já
tinha havido uma redução na campanha e depois
houve outra no governo. Sozinho em Brasília,
morando em hotel, sem a família, apanhando
de todo lado... Mas conheci um outro lado do
Brasil, as dificuldades de ser governo. Como jornalista
de oposição, você mete o pau em tudo. O
“governo que não faz”, os “funcionários públicos
vagabundos” e por aí vai. Conheci limites de toda
ordem, de recursos humanos, financeiros. E os
interesses. Ninguém que vai ao Palácio do Planalto
vai oferecer alguma coisa para ajudar o Brasil.
Do padre da periferia ao grande empresário, todo
mundo vai pedir alguma coisa.
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