|nº 106| Setembro 05

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Minha outra filha
A atual presidente da Apabb, que presta assistência a portadores de deficiência, Berenice Souza, foi uma das fundadoras da associação. A idéia surgiu ao enfrentar os problemas para trabalhar e criar sua filha, Emília
A história das duas filhas de Berenice Souza começa em 17 de agosto de 1982, quando Emília nasce portando paralisia cerebral, microcefalia e outras deficiências associadas. Ainda na agência Campinas do Banco do Brasil, Berenice viu que sua vida nunca mais seria a mesma.
“Era difícil trabalhar e cuidar dela, que tinha cerca de vinte convulsões por dia.” Começaram as mudanças. Para ficar mais perto de um tratamento adequado, pediu transferência. Primeiro foi para Itapecirica da Serra, próxima da capital, e, depois, para o Ceasp, departamento médico do Banco que funcionava na Agência Centro, atual Complexo São João.

No Ceasp, os colegas ajudavam muito. Mas havia outro problema, a dificuldade de pagar os tratamentos. Teve de ir para o caixa para ser comissionada e trabalhar meio período. Na época, uma amiga, querendo ajudar, perguntou se conhecia a Apabex, associação de pais de excepcionais dos funcionários do Banespa. Começou a nascer o que considera sua segunda filha, a Apabb.

Berenice procurou um amigo sindicalista, Paulo Rachid Dal, Paulão, que indicou um gerente de RH que estava chegando a São Paulo, Geraldo de Azevedo. “Num encontro no Satel Centro, falei: Geraldo, sei que você tem uma filha portadora de deficiência, a Juliana, e eu tenho enfrentado muitos problemas. Conheci a Apabex e fiquei maravilhada. Então propus fazer uma associação semelhante no BB. Dali a pouco ele bateu a mão na mesa e disse: ‘vamos criar'.”
Por meio da Cassi, foram chamados outros que enfrentavam a mesma situação. Entre as cerca de 30 pessoas que apareceram no primeiro encontro estavam Hermano José Valdevino de Brito, pai do Tiago, e Airton de Moura, pai da Renata, que são, nas palavras de Berenice, os pilares da entidade.

Em 8 de agosto de 1987, nasceu a Apabb, com Hermano sendo o primeiro presidente. A entidade começou em São Paulo, com cerca de 1.500 associados. Pessoas que não eram deficientes nem tinham familiares portadores de deficiência, mas começaram a contribuir. Na época, foi detectado que o principal problema era a informação. Que tipo de tratamento, qual médico procurar, onde existiam berçários, dentistas especializados?
Outro problema eram os preços cobrados. “Os problemas, que achava que eram só meus e me faziam chorar todas as noites, eram de todos”, lembra Berenice. Nos primeiros tempos, o que havia eram terapias de grupo: “A gente se reunia para trocar experiências e chorar juntos”. Demorou para pensar o que seria a organização do trabalho.

De cara, o Satélite e a AABB de São Paulo deram apoio, importante porque havia uma postura muito envergonhada, pela deficiência do filho, por batalhar em causa própria. “Hoje se fala em cidadania, até na novela, mas na época não era isso. Havia muito preconceito e foi importante as pessoas tornarem-se nossas porta-vozes”, recorda.

Na fase de estruturação da Apabb, foi criado um banco de dados com informações trazidas pelas próprias famílias. A entidade também passou a ser nacional, existindo em quinze estados. Fora os trabalhos conjuntos com a Cassi, outro passo importante foi a criação de recreações especializadas, surgidas espontaneamente para as reuniões com as famílias. “Percebemos que a maioria não tinha nenhum tipo de lazer.
E hoje a inclusão por meio do lazer e do esporte acabou se tornando um dos pilares da Apabb”, afirma. “Nos encontros, os pais choravam porque nunca tinham a oportunidade de tomar um chope e conversar com os amigos sabendo que o filho estava por perto e sendo cuidado adequadamente.”


Emilia joga tênis na APABB
Campeões

Na área de esporte, há o projeto Movimento, em que aos finais de semana meninas e meninos são incentivados a praticar diversas modalidades. O resultado é que muitos atletas da Apabb já representaram o Brasil em competições, como mundiais e olimpíadas especiais. Entre eles Pedro Fornazari, na natação, e a própria filha de Berenice, Emília, nos Jogos de Inverno no Canadá, em 1997, na patinação no gelo. “Ela me deu essa grande alegria. Minha filha é uma atleta da Apabb de coração, hoje pratica tênis e natação.”
Tudo tem como objetivo a integração social dos deficientes, primeiro dentro da família, depois na comunidade mais próxima, o BB e suas entidades, e na sociedade em geral. Nessa luta mais ampla, a Apabb participa de conselhos de assistência social, de defesa de direitos municipais, estaduais ou federais.
A participação ocorre por ser uma entidade com fins filantrópicos, que não remunera seus diretores e atende a qualquer pessoa. O serviço social, por exemplo, é gratuito. Já os programas de esporte acontecem a preço de custo, muitas vezes viabilizados por donativos e patrocínios.
Outra atuação é com os funcionários portadores de deficiência que estão entrando no banco pela lei de cotas. O apelo de Berenice é para que procurem a Apabb e passem a atuar conjuntamente. Outro apelo é para que as pessoas conheçam a associação e contribuam financeiramente ou com trabalho. Porque a falta de recursos muitas vezes freia a atuação. Qualquer um pode se associar, como fazem cerca de 8 mil pessoas, contribuindo, em média, com R$ 15 mensais.

No balanço desses 18 anos da Apabb, Berenice lembra que há jovens que praticamente foram criados dentro da entidade e hoje são pessoas diferenciadas, participaram dos movimentos de inclusão, encontraram mais oportunidades.
Como sua filha, que hoje está muito bem, tem suas limitações, mas recebe todos os tratamentos necessários, desenvolve-se bem, tem seu namoradinho. “Hoje minhas duas filhas vão bem, obrigado, mas a Apabb precisa mais de coisas que a Emília. Porque ainda há muita gente para ser atendida.”