|nº 129| Jan/Fev 08

Nesta Edição » ENTREVISTA

O mundo do trabalho como ele é

Para o escritor e consultor Max Gehringer, carreira e mundo corporativo são como são, e não como gostaríamos que fossem

O ex-executivo e atual consultor Max Gehringer é um personagem atípico. Pós-graduado em Administração, atingiu os principais cargos em empresas como Pepsi-Cola e Pullman, mas resolveu abandonar a carreira. Chamado de louco pelos próprios amigos, resolveu reinventar-se. Hoje, Max Gehringer é colunista em revistas, programas de rádio e de TV, além de palestrante de grande prestígio e autor de livros sobre o mundo das empresas – ambientes onde, conforme o próprio Max, “as coisas são como são, e não como gostaríamos que fossem”.

Max Gheringer aborda com bom humor e criatividade as regras de convivência no árido mundo corporativo, palco de disputas ferrenhas entre os que buscam realização profissional, prestígio e, claro, bons salários. A experiência do consultor vem desde a infância, quando foi office boy na antiga fábrica da Cica, em Jundiaí (SP), sua terra natal.

Max concedeu entrevista à Revista PREVI antes de uma palestra que preparou para funcionários e colaboradores no começo de dezembro, como parte do lançamento do programa de valorização profissional. Na pauta, o mundo em ebulição nas empresas, valores corporativos e dicas que valem ouro para quem está às voltas com a administração de seu futuro profissional.

Revista PREVI – Fala-se muito em mudanças, gestão do conhecimento e da própria carreira. O que todos precisam saber sobre a adaptação a esse contexto?

Max Gehringer – O mercado de trabalho, de modo geral, mudou muito nos últimos 100 anos. Antes não existiam benefícios para quem trabalhava. Hoje se paga muita coisa. O mundo garante de alguma forma, para todos os trabalhadores, uma aposentadoria. Por isso, instituições como a PREVI são maravilhosas. Elas dão garantias que o INSS já não pode assegurar.
Outra mudança é a pessoa começar a trabalhar para ela mesma. Torna-se autônoma ou prestadora de serviços. Há trinta anos, essa era uma fração ínfima do mercado. Hoje, expande-se cada vez mais. O emprego com carteira assinada e todos os direitos e benefícios diminui a cada ano. E podemos esperar mais mudanças, cada vez mais rápidas, para o futuro. O emprego deve acabar, e a quantidade de terceirizados, empreendedores de si próprios, deverá aumentar muito. E uma instituição enorme, que chamamos de mercado de trabalho, não vai mais existir, como a conhecemos hoje, daqui a 30 ou 40 anos.
Em minha palestra, volto ao passado para recordar empresas e produtos que foram líderes de mercado e que hoje não existem mais. Quero mostrar que ninguém está seguro. Que uma posição de liderança e destaque, num determinado momento, não garante os próximos 20 ou 30 anos. Daí a necessidade de perceber, entender e adaptar-se, o mais rapidamente possível, às mudanças.
Toda vez que me perguntam quais são as mudanças que ocorrerão nos próximos 10, 20 anos, minha resposta sincera é: “não sei”. Mas sei que vão acontecer. Assim, todos os dias, por meio de pesquisa, de conversa, da gestão do conhecimento, posso interessar-me em saber quais as coisas que estão mudando, como elas podem me afetar e como eu posso ser o primeiro a aproveitá-las.

Revista – Sua trajetória pessoal, de deixar uma carreira de executivo em grandes empresas para atuar como consultor, foi uma espécie de antecipação desse cenário?

Max – Foi claramente isso. Não teria motivos para deixar a vida corporativa, nem financeiros nem de relacionamentos. Estava muito bem. Comecei a perceber isso no fim da faixa dos 30 anos de idade. Notei que aquilo não podia durar para sempre. Ainda era possível dar alguns passos na vida corporativa, mas quando chegasse perto do topo não saberia para onde ir. Já estava sentindo que a idade limite, no mercado de trabalho, diminuía. Ela baixou de 60 para 55, 50, e agora começou a chegar aos 40 anos. Daqui a pouco, vamos falar em 35. Meu pensamento era: vou ter fôlego para agüentar a vida corporativa por mais 20 anos, mas vou viver mais 40. Então, preciso achar alguma coisa para fazer durante todo esse tempo que me dê oportunidade de ser útil, de aproveitar a energia que ainda vou ter. Comecei com meu plano B, quando todo mundo ainda estava pensando em como fazer carreira.
Mas a pessoa tem de decidir se a carreira dela é um fim ou um meio. Quando é um fim, ela só fala na carreira, só pensa na carreira, discute isso no estádio de futebol, no botequim, não vai ser feliz nem se satisfazer. Não importa aonde chegue, sempre achará que existe um passo a mais. Tem a impressão de que vai viver para sempre dentro de empresas, o que não acontece.
Quem usa a carreira como um meio está sempre imaginando: “o que vou ser quando tudo isso acabar?”. Tenho plena consciência de que num período de minha vida vou trabalhar para os outros, mas ganhar o suficiente para colocar em marcha meu plano de vida profissional, social, pessoal enquanto eu ainda tiver condições de aproveitar a vida. Pensar nisso como um meio é ganhar o mais rapidamente possível o necessário para ter minha própria empresa, que sou eu mesmo. Se é um fim, provavelmente minha glória vai ser morrer fazendo o que faço.

Revista – A mudança é considerada hoje um grande valor, mas é mesmo necessário mudar sempre? A qualidade de vida não poderia estar nos processos maduros e bem administrados? A mudança é um valor inquestionável?

Max – A mudança é necessária, mas não é boa. Na minha palestra digo isso claramente. Cerca de 80% das coisas não devem nem precisam ser mudadas. Se a gente fosse mudar o mundo, tudo que a gente faz todos os dias, criaríamos o caos. Não podemos exagerar. A grande maioria das mudanças não depende individualmente de cada um. As pessoas são muito mais levadas pelas circunstâncias, em vez de decidirem sempre sobre seus rumos. Posso decidir que vou ter um telefone celular, mas alguém decidiu que o mundo precisava de telefone celular e convenceu a humanidade de que é impossível viver sem ele. Essa mudança veio de fora. Sou parte dela e tenho a impressão de que sou proprietário de alguma coisa, mas estou numa enxurrada.
Falo claramente na palestra sobre a sabedoria necessária para saber o que deve e o que não deve ser mudado. Quando as pessoas mudam aquilo que não precisa, elas criam uma confusão muito grande. Começam a perder o rumo. As empresas continuam gostando de empregados estáveis, de pessoas conservadoras. As mudanças são admitidas de vez em quando nas empresas, mas não queremos que tudo mude o tempo todo.

Revista – A PREVI lançou um programa de educação corporativa no qual o funcionário saberá em quais áreas se espera que ele se desenvolva. É esse o caminho, em que a instituição faz a indicação de trilhas para o funcionário?

Max – É um bom caminho, porque dá várias opções. Imagine se a PREVI só desse a opção de um curso, provavelmente estaria errada. Quando a gente diz que vai oferecer cursos de idiomas, isso é uma trilha. E muita gente deveria seguir porque temos enorme dificuldade de encontrar no Brasil pessoas que falem e escrevam corretamente em português. Hoje muita gente está sendo rejeitada em processos de seleção porque não consegue fazer uma redação, entender um texto.
A vantagem da trilha é que você dá tantas opções que, daqui a algum tempo, ninguém pode dizer, “ah, eu não tive oportunidade...”. Esse programa diz o seguinte: você terá todas as oportunidades, tem opções.

Revista – Quando deve começar o planejamento da carreira?

Max – O planejamento não serve para todo mundo. Serve para pessoas muito metódicas. Mas tem muita gente que conheço com capacidade de tomar a decisão em cima da pinta, e isso fez o sucesso delas. Não é exatamente programada, está sempre ligada em oportunidades, nunca escreveu num papel daqui a dois anos serei isso. Pessoas metódicas devem ter uma folhinha, porque isso vai fazer bem para elas, já que precisam de um planejamento numa planilha. Para a pessoa bagunçada, desorganizada, caótica, que acredita que a decisão deve ser tomada em cima da hora, não adianta perder tempo com isso. Tem de decidir de acordo com o sentimento da hora. Não existe um momento certo para começar. Se tiver de dar uma idade, diria aos 16 anos, um ou dois anos antes de decidir a faculdade.

Revista – Numa crônica sua, Memórias do Século 21, que se passa no ano de 2124, o senhor vê o mundo atual com certo sarcasmo, ao mesmo tempo em que, apesar de tantas inovações, afirma que algumas coisas não mudaram tanto assim. A administração e as empresas não mudam tanto quanto acreditam?

Max – Nos anos 70, quando a gente já tinha chegado à lua, por algum tempo acreditou-se que qualquer coisa era possível. As revistas da época já davam o cronograma do plano de carreira espacial, dizendo que a gente ia chegar a Marte em 1978 e a Saturno na década de 1980 (risos).
É a mesma coisa com plano de carreira e planejamento estratégico: você pode não chegar a lugar nenhum. Também se dizia naquela época que o progresso tecnológico daria tempo às pessoas. Os equipamentos iam fazer o trabalho do ser humano, que teria mais tempo para pensar, para o lazer. De fato, apareceram equipamentos que diminuíram o tempo de determinados trabalhos e eliminaram funções. O que aconteceu com o tempo livre? Nada. Estamos trabalhando mais que antes. Na década de 70, reclamávamos de trabalhar 9 horas por dia, hoje trabalhamos 15. Temos notebooks, celulares, podemos fazer teleconferências, coisas que teoricamente deveriam livrar tempo, mas estão liberando para a gente preencher com mais tecnologia e mais trabalho. Quando escrevi as Memórias do Século 21 era para lembrar mais ou menos isso. É cômico, mas quanto mais dependente da tecnologia, menos tempo a gente tem e mais controlado é. Deve haver um limite para a tecnologia, mas cada geração sempre acha que o limite não está na geração dela.

Revista – Olhando para trás, se o senhor tivesse a oportunidade de mudar alguma coisa na própria carreira, faria algo diferente?

Max – Sim. Trabalhei os primeiros 15 anos na área industrial, e não tenho nenhuma vocação para essa área. Se pudesse, talvez tivesse seguido dentro das empresas na área de marketing, de que gostava muito mais. Evidentemente, fora da empresa eu teria feito diversas outras coisas, mas não teria possibilidade financeira. Gostaria muito mais de ser filósofo. Ficar filosofando de barba e cabelos compridos, com 15 ou 20 minutos para ter apenas um pensamento. A gente não estressa, fica olhando os vales floridos. Acho que por uns 25 minutos isso me satisfaria, depois voltaria para a vida corporativa, porque ela sempre foi muito engraçada. Acho que tomei todas as decisões na hora correta. Não me arrependo de nenhuma delas. A última foi a hora de parar, mas descobri que estava certo quando todos meus amigos passaram a dizer que eu tinha enlouquecido. Era o certo, porque é a decisão que ninguém tomaria.

Revista – Por que o senhor diz que a vida corporativa é engraçada?

Max – Essa é a razão de ser do que faço hoje. Creio que todo mundo acha a vida corporativa engraçada depois, quando conta histórias de cinco, dez anos, sentado a uma mesa, tomando uma. Todo mundo ri de um chefe, de uma situação, de uma decisão que a empresa tomou. Na hora, aquilo parece muito mais dramático, há tensão, mas o tempo mostra que era engraçado e que na hora a gente deveria ter achado graça, em vez de ter chorado. É mais ou menos isso que tento resgatar, enxergar o problema de hoje com bom humor. Não vai resolver o problema, mas também não vai estressar.

Revista – O senhor fala que é necessário fazer a opção entre carreira ou qualidade de vida. Como se chega ao equilíbrio?

Max – Não se chega. Você pode ter os dois, mas não ao mesmo tempo. Você rala durante algum tempo, junta o que tem de juntar e aí vai ter qualidade de vida. Ou monta sua empresa e vai ter qualidade de vida. Não adianta entrar num escritório com 23, 24 anos e achar que vai ter qualidade de vida. Você pensa primeiro como vai sobreviver ali dentro, tem uma enorme fila lá fora querendo seu emprego.

Revista – Há uma série de publicações que vendem a idéia de trabalho e qualidade de vida. O senhor não acredita nessa possibilidade mesmo?

Max – Eu me especializei em tentar explicar como as coisas funcionam no mundo corporativo porque descobri que tinha um monte de gente explicando como deveriam funcionar. Lia muito que isso não deveria ser assim, não deveria ser assado. As pessoas de tanto ler como deveria ser começam a reclamar porque não é. Chego eu e digo: não é mesmo. Tentei me especializar no que acontece e por que acontece. O que você tem de fazer para sobreviver razoavelmente nesse meio e, de preferência, virar o chefe da tribo. Talvez me preocupe muito mais com o presente do mercado de trabalho que com o futuro.

Revista – Dá para escapar da armadilha dos gurus que sabem o futuro...

Max – Eu talvez seja um deles. Quando escrevo alguma coisa que se passa no futuro, estou tentando induzir as pessoas de que sei o que vai acontecer. Normalmente, termino com uma citação bíblica, como no caso da crônica do século 21. A última frase é: “o homem jamais saberá o futuro”. Quis terminar assim para dizer que era ficção, saída de uma cabeça cheia de idéias naquele dia. O que sempre espero é que a pessoa que me ouve tire suas próprias conclusões e tome as próprias decisões. Que jamais faça aquilo que eu acho que ela deva fazer. Posso dar minha opinião, mas gosto que as pessoas vejam isso como apenas mais uma opinião, não como a única direção.

Presidente da perdigão fala sobre importância do conhecimento

A PREVI lançou no começo do mês de dezembro seu Programa de Educação Corporativa. Além de Max Gehringer, foi convidado como palestrante o presidente do grupo Predigão, Nildemar Secches, que apresentou os resultados das empresas que dirige, cujo rendimento para os acionistas como a PREVI vêm sendo, em média, de 35% ao ano nos últimos 12 anos. Nildemar destacou ainda que a gestão do conhecimento é o grande desafio das empresas no século 21.

Outras questões essenciais são a sustentabilidade econômico-financeira e a sustentabilidade socioambiental. Ele relatou a experiência da Academia Perdigão, universidade corporativa que tem programa próprio de formação das pessoas de acordo com as necessidades da empresa.

Disse também que estão sendo formadas equipes de alta performance, não apenas indivíduos, o que é essencial para elevar a sustentabilidade e o crescimento da Perdigão nos próximos anos. Mas tudo isso mantendo a cultura e os valores da empresa que, segundo Secches, devem ser permanentes.