|nº 135| Ago 08

» Entrevista » O mundo no centro da empresa

Revista - E a globalização, o outro desafio?
Santos -
A palavra globalização é entendida no sentindo relativamente técnico e significa o impacto na empresa da interdependência entre os países. O mundo global é um mundo em que os países são interdependentes. Dependendo do setor em que a empresa atue, a produtividade é profundamente afetada pelo que se passa nos outros países. Portanto essa interdependência faz com que as empresas tenham que integrar globalmente a sua própria organização. Em vez de ser um conjunto de filiais em diferentes países, precisa ser uma organização integrada que inclui unidades em vários países. Esse é um desafio organizativo muito grande para as grandes empresas internacionais do passado, que estão organizadas por países, com ações de empresas em cada país. É um desafio que demora também de cinco a 20 anos para ser resolvido.

Revista - E a revelação, o quarto desafio?
Santos -
A revelação é um desafio de natureza diferente. Quando a empresa internacionaliza – e, portanto, se encontra em competição ou ao serviço de um mercado em vários países do mundo – vai descobrir verdadeiramente se tem alguma vantagem ou não em relação às outras. É revelada a verdadeira qualidade da empresa. Quando está em seu país, se compara apenas com as demais empresas nacionais e pode, muitas vezes, não perceber que, ainda que seja a melhor no seu país, não tem nenhuma vantagem em relação ao resto do mundo. Vai descobrir isso quando se internacionalizar. Portanto, às vezes a internacionalização é uma revelação de que a vantagem competitiva que a empresa tinha era muito local, no contexto do seu país de origem. Ou, por outro lado, a empresa pode ter a revelação de que pode ser ainda melhor se aproveitar o resto do mundo. Pode ser uma coisa ou outra. Isso é uma revelação, uma vez que a empresa não poderia saber enquanto estava no seu país. Só a experiência de lá estar é que vai revelar. Só se pode encontrar pela própria experiência.

Revista - Ao se internacionalizar, uma empresa pode descobrir que precisa fazer o caminho de volta, ou seja, voltar para o país de origem?
Santos -
Há empresas que foram grandes multinacionais e de repente voltaram para o país de origem. Eventualmente, não são consideradas de sucesso. Mas existem  empresas em que a decisão de regressar ao país de origem, isto é, abandonar a presença direta em vários países, pode ser uma ótima decisão empresarial.  Muitas vezes, essa descoberta só vem depois; não podia ser percebida antes. Ao contrário do que se pode pensar, há determinadas revelações que só se podem ter depois de lá estar. Não se pode ver em números, em estudos, porque os estudos não incluem a presença da empresa lá. Essa experiência é aquela que vale verdadeiramente para determinar um resultado. Portanto, tem que se ter experiência, para ter essa revelação. Não é uma revelação que se possa ter cognitivamente. Não é uma experiência de meia dúzia de meses. Por isso, que este desafio é difícil. De todos os desafios, é aquele que o pessoal menos compreende. Dos quatro desafios, os menos compreendidos são a renovação e a revelação. Os outros são mais técnicos, mais conhecidos, têm mais a ver com economia, instituições.

Revista - As fronteiras físicas se reduzem velozmente no mundo atual. Em muitos aspectos, há padronização de idéias, costumes, hábitos. Em que medida as diferenças regionais contam num mundo globalizado?
Santos -
Aquilo que parece padronização de idéias e de costumes é apenas superficial. Estamos a observar um fenômeno interessante: quanto mais integrada está a Europa, mais as diferenças locais se tornam acentuadas. Não são só as diferenças entre os países, são as diferenças entre as nações. Todas as evidências que nós temos demonstram que globalização não leva à padronização, pelo contrário, a padronização é uma coisa artificial, contrária à natureza social humana, e que acontece apenas superficialmente. Minha conclusão: quanto mais global for o mundo, mais as diferenças contam.  No mundo de hoje, é mais importante que os dirigentes brasileiros conheçam bem as diferenças com a Argentina do que era há trinta anos. Quanto mais integrada for a América Latina, quanto mais integrado for o mundo, torna-se mais importante que os dirigentes percebam essas diferenças. Se não perceberem, pequenos erros tornam-se enormes no desempenho negativo da empresa ou na perda de uma oportunidade de negócio. Portanto, cada vez mais, os dirigentes têm que conhecer o mundo, têm que conhecer as pequenas diferenças – para não falar das grandes –, que há entre as várias nações, uma vez que existem mais nações do que países. Há muitos países que integram várias nações, vários povos, principalmente na Europa.

Revista - A formação de líderes transnacionais é crucial para o êxito da internacionalização de uma empresa?
Santos -
Sim. A internacionalização precisa de dirigentes que conheçam o mundo e a sua terra. Conhecendo o mundo e a sua terra, o dirigente é capaz de perceber as diferenças e as implicações delas nos negócios e na empresa. Esses dirigentes – que prefiro chamar de cosmopolitas a transnacionais – precisam desenvolver, pela experiência, a capacidade de estar à vontade nos mundos que fazem o mundo. Quando alguém está à vontade em várias partes do mundo, é capaz de perceber e integrar as diferenças em si. E essas pessoas são fundamentais para a internacionalização da empresa. O importante é que os dirigentes saibam colocar o mundo no centro da empresa em vez de cometerem um erro muito comum que é colocar a empresa no centro do mundo. A empresa não está no centro do mundo; nenhuma empresa é tão importante assim.  Esse é um erro parecido com o do Copérnico, mas esse nós já passamos há muito tempo. Ou seja, o mundo não gira em volta da empresa, seja ela a empresa que for, mesmo que esteja a ganhar muitos bilhões de reais a cada trimestre.

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