|nº 138| Dez 08

Nesta Edição » Investimentos » Opção para o futuro

Mais complexo do que se imagina

A falta de experiência e de informações atrapalhou os investimentos do analista financeiro Paulo Henrique Augusto Pereira, de 29 anos. Em dezembro do ano passado, ele decidiu aplicar todas as suas economias na Bolsa de Valores de São Paulo. Durante seis meses, pesquisou as oportunidades de negócio pela internet, conversou com outros investidores e, por conta própria, decidiu onde investir. Confiante nos resultados da Bolsa, foi arrojado e apostou os R$ 65 mil que tinha em papéis de alto risco. Hoje, quase um ano depois, Paulo perdeu algo em torno de R$ 50 mil.

“Só peguei turbulência. Nos primeiros meses eu perdia aqui, ganhava ali. Mas, quando a crise norte- americana aumentou, aí eu só perdi. Eu queria fazer dinheiro num curto prazo, mas perdi uns 80% do que tinha guardado. Agora minha visão mudou em relação à bolsa de valores. Seu funcionamento é mais complexo do que imaginava. Hoje, teria muito mais cuidado e não repetiria alguns erros banais que cometi. Aprendi muita coisa para o futuro, mas foi um aprendizado caro”, lamenta Paulo, que não chegou a analisar nenhuma outra forma de investimento antes de aplicar em ações.

O bancário Márcio Aparecido Soares Ramos, de 30 anos, também aprendeu muita coisa depois que entrou num fundo de investimento. “Você aplica pelo site e a única coisa que eles te mandam é um ‘termo de declaração’ que você nem precisa ler. Depois que investi é que eu comecei a ler os jornais e ver o que ia render no mercado. Hoje eu sei que muita informação que tinha era ficção”, conta Márcio, que tem dinheiro aplicado em fundos de ações, em fundos DI e na poupança. Ele investiu na bolsa de valores para comprar sua casa própria. Por enquanto, em três anos de investimentos, só teve de retorno o aprendizado.

Para Cláudio Gradilone, os jovens aprendem na raça o que é ser um investidor porque não têm assessoria qualificada para auxiliá-los. “A geração que hoje tem 60, 70 anos viveu um longo período de inflação e desabastecimento. A pessoa ia para um concessionário comprar uma Parati preta e saía com um Gol azul porque não tinha opção nem para escolher o carro. Hoje, a moçada que está com seus 20 e poucos anos acessa a internet e já está investindo na bolsa de valores. Muitos se sentem como se estivessem em frente a um videogame. Por isso são mais propensos a perder dinheiro. São arrojados no mau sentido, não avaliam o risco”, explica.

Hoje, as opções são múltiplas e vão além do investimento em Renda Variável. Diversificar sempre foi um bom conselho repetido a todos os que pretendem investir. A exposição ao risco deve ser medida e equilibrada. Para o professor William Eid Júnior, coordenador do Centro de Estudos em Finanças da FGV (Fundação Getulio Vargas), o brasileiro ainda está distante de conquistar o conhecimento necessário para fazer investimentos. “Os jovens de hoje estão mais atentos ao mercado financeiro que as gerações anteriores. Muitos, inclusive, têm a disciplina de investir no longo prazo. Sabem que dependem deles mesmos para garantirem seu futuro, mas ainda estamos longe do ideal”, diz.

Para reduzir essa distância, são importantes iniciativas como a Ação Jovem, associação criada em 2003 pela Bolsa de Valores de São Paulo para auxiliar o jovem investidor. O objetivo é desmistificar os mercados financeiro e de capitais. De 2007 para cá, a Ação Jovem já realizou 12 cursos, que contaram com a participação de aproximadamente 780 pessoas. “Esse é o nosso ‘termômetro’ para medirmos o interesse que os jovens possuem no mercado financeiro. Além disso, realizamos algumas reuniões especiais com profissionais renomados de mercado, assim como seminários e palestras temáticas. Hoje o jovem está muito mais informado sobre o mercado, mas não basta só a informação. É preciso ter
educação financeira e é isso que nossa entidade tem feito”, explica Eduardo Gomide, diretor da Ação Jovem da Bovespa.

Emoção na hora de investir

Um dos principais desafios dos jovens investidores é deixar a emoção de lado na hora de aplicar seu dinheiro. Usar a razão para escolher a melhor forma de investir não é tarefa fácil para ninguém. Até porque, independentemente da idade, a grande maioria dos investidores brasileiros entrou para o mercado financeiro há pouco tempo e ainda está engatinhando nesse “novo mundo”.

A psicanalista Vera Ferreira, autora de vários livros sobre o assunto, diz que é praticamente impossível tomar decisões puramente guiadas pela razão. Com crise ou sem crise, a emoção tende a falar mais alto sempre. “Quando o mercado estava bem, as pessoas tinham uma crença de que nada poderia dar errado com seus investimentos e que seria muito fácil ganhar dinheiro. Com a crise, as pessoas acham que não tem saída. Seja no otimismo exagerado, seja no pessimismo exagerado, as pessoas se iludem e a emoção pode atrapalhar”, explica.

A dificuldade de enxergar o cenário como um todo e ver o lado positivo e negativo dos investimentos pode ser fatal. Algumas pessoas com mais idade e experiência podem aprender a lidar com as emoções e aplicar seu dinheiro com mais segurança. Outra característica comum aos investidores, principalmente jovens, é não entender, muitas vezes, que as perdas do mercado são virtuais até o momento em que são efetivamente realizadas. Mesmo que a ação caia de preço em determinado período, só há perda se for vendida na baixa. Se for possível esperar os valores se recuperarem, o único prejuízo é o estresse sofrido. Muitas pessoas também costumam comparar seus investimentos com o montante que teriam em momentos de pico, o que dá uma dimensão irreal. “O mais correto é comparar o valor que se tem no momento da retirada com o aporte inicial e quanto teria dado se tivesse optado por outros tipos de investimento”, analisa a psicanalista.

São muitas as implicações que o jovem precisa considerar na hora de investir para evitar aborrecimentos no futuro. “Não brinco mais, nunca mais quero saber de investimentos”, pode ser um sentimento comum em quem se decepciona com o mercado financeiro. Entender que muitos tipos de investimento são de longo prazo é fundamental para não perder dinheiro e nem saúde. “Os jovens estão cada vez mais preparados para o mercado financeiro, mas lidar com a emoção é sempre complicado. São operações mentais primitivas e poderosas, que ignoram o racional. Para dominar as emoções, a educação financeira não é suficiente. É preciso saber controlar os próprios impulsos”, acrescenta Vera Ferreira.

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