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Nesta Edição » Social » Entrevista - Lucia França

Participação social, mobilidade e independência

A professora e consultora Lucia França afirma que essas são palavras-chave, segundo a OMS, para a saúde na aposentadoria

Foto: Nando NevesConsultora e professora titular do Mestrado em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira – Universo –, em Niterói (RJ), Lucia França atua na área do envelhecimento desde 1983 e desenvolve projetos e pesquisas sobre educação para toda a vida, bem-estar e qualidade de vida na aposentadoria. É sócia e diretora da Recicle Gente em Desenvolvimento, na qual realiza consultorias para organizações em Programa de Preparação para a Aposentadoria. Nesta entrevista exclusiva à Revista PREVI, fala da difícil preparação para a aposentadoria em seus diversos aspectos, independência financeira, formação continuada e até um conceito mais amplo de saúde, definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Por que a OMS não está falando apenas de saúde? Porque se a pessoa tem mobilidade, com liberdade de ir e vir, se ela é independente economicamente, se está participando ativamente do contexto social em que está inserida, acaba afastando as doenças”, afirma.

 

Revista PREVI – Fica cada vez mais clara a tendência demográfica de maior envelhecimento da população. Isso faz aumentar as necessidades do sistema de saúde e de proteção social no Brasil?
Lucia França – Essa é uma tendência mundial já há algum tempo. A grande diferença é que, nos países centrais, antes de se tornarem velhos, eles se tornaram ricos. Nós e os demais países emergentes estamos experimentando esse progresso de qualidade de vida, o que pode se tornar um problema se as questões básicas não forem resolvidas a tempo. No Brasil, na década de 1950, a expectativa de vida era de 51 anos. Agora está em 73 e vai chegar a 81 anos em 2050. Outra questão em que o Brasil se aproxima dos países desenvolvidos é em relação ao índice de natalidade. Para os países em desenvolvimento, essa situação é um desafio enorme. Além da rapidez nessa mudança demográfica, o Brasil tem uma série de contradições no pagamento das aposentadorias, já que apenas metade dos trabalhadores contribui para a previdência e poucos têm previdência complementar. Quem paga por aqueles que estão se aposentando são as pessoas dos 14 aos 64 anos, cujo número está se reduzindo proporcionalmente.

O grande desafio é ter um sistema de previdência básico que seja para todos, mas proporcional à expectativa de vida local. Hoje, a diferença do interior de Alagoas para o Distrito Federal é de oito anos, quase a diferença do Brasil para os países desenvolvidos. Então não dá para calcular uma idade para a aposentadoria com disparidade tão grande, de renda, de qualidade de vida etc. Outro desafio é manter serviços de saúde e serviços sociais para essa população que está aumentando em termos numéricos. O Brasil é o sexto país em número absoluto de idosos, com contingente aproximado de 14 milhões de pessoas. com 65 anos ou mais.

 

Revista – Em relação ao dia a dia da pessoa, o que seria o planejamento para a aposentadoria, daqui um ano, dois ou cinco?
Lucia – A primeira grande questão é em relação à sobrevivência, já que no País não temos educação financeira, que deveria vir desde a infância, mas não existe na maioria das famílias nem nas escolas. Isso está mudando, mas ainda de maneira incipiente. Muitas vezes, o importante não é o que você ganha, mas sim como administra. O brasileiro precisa aprender a planejar seu futuro e incluir nesse planejamento a aposentadoria. Não como um fim, porque as pessoas estão se aposentando numa idade entre 55 e 60 anos, algumas até antes, e vão viver até os 100. Aí vem a pergunta: o que você está fazendo em relação ao planejamento financeiro para esse futuro? É necessário saber se irá precisar ou se deseja continuar trabalhando na mesma profissão ou partir para uma segunda carreira. Se sim, ela pode ser de meio período, para complementação de renda ou mesmo para o seu prazer.

 

Revista – Há consultores que dizem que quem se aposentava era sua avó, que as pessoas de hoje não vão se aposentar. É isso mesmo? E como fugir da armadilha do subemprego?
Lucia – A questão aí é individual, mas também está relacionada ao governo. É necessário mudar a legislação para incentivar empregos de meio período para aposentados, mães que têm filhos pequenos e universitários que precisam de estágios, o que hoje não é estimulado. Há também outro aspecto, que é a educação continuada, a necessidade de a pessoa se manter atualizada a vida inteira. Isso é um investimento da empresa, do governo, mas principalmente pessoal, você tem de pensar no seu futuro. O profissional que se atualiza torna-se sedutor para o mercado de trabalho. Se não se atualiza, é mais difícil, acaba sendo subempregado. Não importa a idade, mas você tem de se manter atualizado. A pessoa tem de pensar nisso como um investimento. Quando falo em investimento, não estou me referindo apenas a aplicações financeiras.

 

Revista – Esse é um aspecto novo, você não tem de reservar dinheiro apenas para gastos como a saúde, mas também para formação depois da aposentadoria.
Lucia – Sim, a educação é o maior investimento que você pode fazer, porque ninguém tira. E não há mudança de governo ou sistema financeiro que mexa com isso. Se você está atualizado, especializado, consegue mudar o preconceito com a idade mais avançada, que atinge o mercado de trabalho também. Não existem mais anúncios exigindo idade máxima ou pessoas “jovens, bonitas, atraentes”, porque isso é proibido e politicamente incorreto. Então se a pessoa se mantiver informada, atualizada e educada ao longo da vida, seja pela educação formal ou informal, ela terá mais chances de manter-se empregada, independentemente da idade que tenha.

É fundamental ainda que seja priorizada a promoção da saúde e tudo que está contido nisso. Na última grande assembleia sobre envelhecimento organizada pela ONU, em 2002, em Madri, a Organização Mundial da Saúde (OMS), que também participou, propôs a adoção de uma política para o envelhecimento saudável, enfatizando três palavrinhas: participação social, mobilidade e independência. Por que a OMS não está falando apenas de saúde, de doença? Porque se a pessoa está com mobilidade, com liberdade de ir e vir, se ela é independente economicamente, se está participando, acaba afastando as doenças. E o envelhecimento saudável depende disso. Não é só prevenir mais doenças, mas participar socialmente, se mobilizar e manter independência financeira, seja por uma poupança de longo prazo, investimento na educação, participação na comunidade, isso tudo está contido no conceito de saúde. É fundamental a busca de um estilo de vida mais saudável, escolhendo atividades que reduzam o estresse, cuidando para que a alimentação seja mais colorida, com verduras, legumes, grãos e carne magra. Reduzir o tabagismo, o consumo de bebida alcoólica tentar aproveitar o sol da manhã, em atividades ao ar livre, que a natureza do País favorece. A saúde também é ligada às atividades físicas e a fazer exames periódicos.

 

Revista – Ponto importante também é a relação com a família. É possível ver que mudou essa relação, principalmente porque, muitas vezes, mesmo depois da aposentadoria as pessoas continuam a sustentar família, filhos e até netos?
Lucia – A sobrevivência é um fator básico, mas não determina bem-estar. Se pensar no que determina, o principal fator é a família. Infelizmente, a família brasileira ainda cria os filhos para serem cada vez mais dependentes. Venho observando que muitos filhos adultos ainda residem com os pais. Viver com eles até nem é o problema, porque os pais às vezes necessitam, e aí não se sabe exatamente quem precisa de quem. Mas a situação mais grave é a maneira como essas crianças foram educadas para serem eternamente dependentes. Nas palestras que realizo, o que mais vejo são futuros aposentados que sustentam filhos de 30, 35 anos. Muitos estão trabalhando, mas não contribuem em nada para as despesas familiares. Num determinado momento temos de dizer que já não somos tão poderosos e eles têm de pagar, pelo menos, a conta de luz. Na minha geração, com 18 anos, a gente queria sair de casa, viver com nossas próprias pernas. Hoje criamos uma situação tão permissiva para os filhos que estimulamos que sejam dependentes eternamente. As relações familiares são importantes e você vai viver mais tempo. Então é necessário cuidar desde agora, na ativa, porque o bem-estar na aposentadoria depende primordialmente delas.

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Revista – Mas na aposentadoria esse relacionamento necessariamente muda, porque a pessoa vai ficar em casa mais tempo...
Lucia – Até a relação com a empregada muda com a aposentadoria de um ou do casal. Pense na relação com a mulher: se não trabalha, está acostumada com a vida dela e recebe esse “ET” dentro de casa. Se esse homem não souber o que fazer com seu tempo livre, se não trabalhar isso numa preparação para a aposentadoria, poderá não se adaptar à própria casa. A família também precisa receber orientações de como lidar e receber melhor essa pessoa em sua nova rotina. Em um programa de preparação para a aposentadoria, o futuro aposentado e sua família devem trabalhar situações que podem ocorrer no dia a dia e harmonizar o relacionamento.

Foto: Nando NevesE os outros também precisam saber de que maneira vão receber melhor essa pessoa que está chegando. Quando ele detém poder em uma organização, o problema passa a ser até maior, porque, na aposentadoria, vai mandar em quem?
São questões essenciais para o bem-estar: primeiro, a família e, depois, saber o que fazer com seu tempo livre. Aqueles que têm um número maior de atividades, além do trabalho, são as pessoas que têm atitudes mais positivas frente a essa transição. O problema é ter todo o tempo livre e não saber administrar. Se eu não sei o que fazer amanhã, na minha aposentadoria, existe um risco grande de entrar em depressão.

Mas o que é um planejamento para a aposentadoria? É aquela olhadinha para trás, “o que fiz da minha vida até agora? O que vou fazer daqui para a frente? Qual o plano que vou seguir a curto, médio e longo prazos?” Esse projeto de vida tem de ser trabalhado, seja individualmente, seja em grupo, num programa de preparação na empresa, porque sozinho é muito difícil fazer isso. Os brasileiros, de modo geral, não foram educados para pensar e planejar o futuro.

 

Revista – A gente tem preparação para o mercado de trabalho, mas não estuda para se aposentar.
Lucia – Essa é uma matéria importante para o governo, para as empresas, para a universidade, para os futuros e os atuais aposentados. Os programas de preparação para a aposentadoria estão previstos por lei na Política Nacional do Idoso, promulgada em 1994, reforçada em 2003 pelo Estatuto do Idoso. Há muito tempo reforço junto a organizações a que presto consultoria a importância da implantação desses programas. Tenho artigos e livros sobre o tema, e grande parte desse material pode ser consultada gratuitamente em meu site(www.luciafranca.com). Porque se o funcionário percebe que há preocupação com ele quando se aposenta, isso aumenta o valor da empresa, do produto e da imagem institucional dela. Além disso, o aposentado será mais feliz se tiver planos e projetos e sentir que pode ser útil para a comunidade.