|nº 111| Fevereiro 06

Nesta Edição » Entrevista - Paulo Betti
Platéia de investidores

O filme Cafundó foi financiado em parte por 77 aposentados da PREVI e marca a estréia do ator Paulo Betti como diretor de cinema

A estréia do longa-metra-gem brasileiro Cafundó, no próximo mês de abril, é aguardada com ansiedade por uma platéia muito especial. São 77 aposentados da PREVI que ajudaram a financiar o projeto como investidores, inaugurando uma nova forma de produção de cinema no país. A idéia partiu do ator Paulo Betti, em sua estréia como diretor.

“Nós anunciamos o filme no contracheque, perguntando se alguém teria interesse em investir no projeto”, conta o ator. “Depois, descontamos um pequeno valor mensal no benefício de cada um que aderiu à proposta. No final do ano, esses valores foram deduzidos na declaração do Imposto de Renda. Foi uma idéia para democratizar o acesso do investidor à produção cinematográfica”, explica Betti.


Paulo Betti, nas filmagens de Cafundó

Cafundó foi filmado nos meses de junho e julho de 2003, no estado do Paraná. Teve como locações as cidades de Lapa, Ponta Grossa, Paranaguá e Curitiba e mais de 80% do elenco é composto de artistas locais, destacando-se afrodescendentes. O enredo é baseado na história real de João de Camargo, um escravo que viveu no fim do século XIX na região de Sorocaba, interior de São Paulo.

Ao ser libertado, João fica deslumbrado com o mundo em transformação e passa a ter alucinações, acreditando ser capaz de ver Deus e fazer curas. Ele torna-se, a partir de então, uma das lendas brasileiras, popularizado como o “Preto Velho”. Em entrevista exclusiva, Paulo Betti conta mais detalhes sobre a produção do filme e a iniciativa de financiamento pelos participantes da PREVI.

Revista PREVI – Como surgiu a idéia do filme?

Paulo Betti – Meu avô materno, João Fontenelli, era imigrante italiano e trabalhava para um fazendeiro negro na região de Sorocaba, interior de São Paulo, no esquema de “meia”: o fazendeiro dava a terra e a semente, meu avô plantava e depois eles dividiam a produção. Acontece que no caminho da roça tocada pelo meu avô tinha uma igreja dedicada a esse líder carismático, João de Camargo. Um dia, quando eu tinha cinco anos, meu avô me levou pra conhecer a igreja, que existe até hoje e foi, inclusive, tombada pelo Patrimônio Histórico. Pois essa história ficou na minha cabeça e, em 1993, decidi fazer um filme sobre isso.

Revista – A partir da idéia do projeto, quanto tempo levou até as filmagens?

Betti – O filme foi rodado em 2003. No ano seguinte, comecei a captar recursos e, em 2005, montei o filme. Daí passamos a apresentá-lo em festivais. Ganhamos cinco prêmios em Gramado e cinco em Goiânia. Participamos também de eventos internacionais, em Vancouver, no Canadá, e em Trieste, na Itália, onde ganhamos um prêmio especial pela reconstrução histórica.

Revista – Uma das inovações na produção de Cafundó foi a presença, entre os investidores, de 77 aposentados da PREVI. Como surgiu essa idéia?

Betti – Sei da capilaridade da PREVI, que está no Brasil todo. E, como produtor, quero que essas pessoas vejam meu filme. Nós anunciamos no contracheque das pessoas, perguntando se alguém teria interesse em investir no projeto. Depois, descontamos um pequeno valor mensal no benefício de cada um que aderiu à proposta. No final do ano, esses valores foram deduzidos na declaração do Imposto de Renda.

Revista – Você chegou a conversar com algum desses investidores voluntários?

Betti – Falei com a grande maioria das pessoas que contribuíram. Liguei um por um, queria, inclusive, que eles me ajudassem a ampliar o número de investidores. Certa vez fui até Uberlândia, em Minas Gerais, participar de uma reunião marcada por um dos investidores para tentar sensibilizar mais pessoas. Estive em outros lugares remotos do país, com o mesmo propósito.

Revista – Qual foi a reação das pessoas ao receberem sua ligação?

Betti – Em muitos casos, foi engraçado. A pessoa chamava os parentes, os vizinhos, pra falarem comigo (risos). Mas foi uma reação maravilhosa, estavam todos torcendo pelo filme.

Revista – Como foi a abordagem inicial?

Betti – Escrevi um texto que dizia mais ou menos o seguinte: depois de me tornar um ator conhecido, eu ia visitar minha mãe (que já faleceu) e ela sempre buscava o álbum de fotografias da família e comentava sobre parentes, vizinhos, conhecidos, ruas e lugares que não existem mais. Foi então que eu me dei conta de que o cinema é o álbum de fotografia da Nação.

Revista – Foi uma proposta inovadora, não?


Betti – Foi uma idéia para democratizar o acesso do investidor na produção cinematográfica. Tenho consciência de que foi uma atitude ousada e inédita. Se tivéssemos conseguido a adesão de 1.000 ou 2.000 pessoas, poderíamos descartar outros investidores. O filme teria sido financiado apenas pelos aposentados da PREVI e chegaríamos, então, a uma nova forma de produzir filmes.

 INVESTIDORES DE UMA PONTA A
    OUTRA DO PAÍS

O filme Cafundó conseguiu sensibilizar 77 aposentados da PREVI em 14 estados, mais o Distrito Federal.
De uma ponta a outra do país, surgiram investidores voluntários. “Veio a mensagem no contracheque e eu quis ajudar na hora. Sou um entusiasta da cultura”, ressalta Hermes Siedler da Conceição, residente em Quaraí, no interior do Rio Grande do Sul. “Havia opções de valor e eu contribuí com o máximo”, acrescenta.
No outro extremo, em Belém, Pará, a participante Clara Tanaka afirma que colaborou para prestigiar o cinema nacional. “Não sei como é a produção de um filme, mas me deu vontade de ajudar. Não era um desconto muito grande”, resume.