|nº 108| Novembro 05

Nesta Edição » Perfil - Juca de Oliveira
Antes do palco, bancário

Juca em cena da peça A Flor do Meu Bem-Querer
Ator e dramaturgo, Juca de Oliveira comenta os reflexos da atuação como bancário na carreira artística que o consagrou. E conta como se preparou para a aposentadoria

Poucos conhecem José de Oliveira Santos pelo nome verdadeiro e muito menos sua primeira atividade profissional. Pois antes de se consagrar como um dos maiores atores e dramaturgos brasileiros, Juca de Oliveira trabalhou como bancário por cerca de oito anos na capital paulista. “Entrei no Itaú em 1953, como escriturário, depois trabalhei na seção de cadastro. Primeiro em uma agência na Rua 15 de novembro, depois na Rua João Brícola”, revela o ator, que completou 70 anos no último mês de março.

Envolvido atualmente com a adaptação de um roteiro de cinema baseado em sua peça teatral Qualquer Gato Vira-lata Tem uma Vida Sexual Mais Sadia que a Nossa, Juca conta que está aposentado há 20 anos pelo INSS, pela sua atuação profissional como bancário e ator. “Depois de 35 anos de contribuição, recebo mensalmente o salário de marajá, de R$ 1.220,00”, brinca. “Sou aposentado apenas no papel. Trabalho por volta de 12 a 14 horas por dia.”

Apesar de não se considerar “marajá”, Juca investiu durante a carreira e conseguiu comprar uma fazenda na região de Itapira, interior de São Paulo, onde passa a maior parte do seu tempo há quase três décadas. Ele garante, porém, que a propriedade não é sua principal fonte de renda. “Temos gado de corte, vendemos bezerro, mas o que a fazenda realmente produz é prejuízo”, ironiza. Seu principal interesse na propriedade rural é o contato com a natureza.

“Adotei um princípio filosófico Zen de que você não deve juntar dinheiro. Se você segura o dinheiro, ele não circula, se ele não circula não dá empregos, se ele não dá empregos ele não vem para você. Por isso invisto nas minhas produções no teatro, dou emprego, ajudo pessoas quando posso e quando consigo alguma reserva aplico em ecologia, preservação ambiental e reflorestamento”, resume o ator.

A própria trajetória profissional de Juca de Oliveira comprova que, muitas vezes, deixou seus interesses pessoais de lado em busca de seus ideais. “No Banco Itaú, em 1955 ou 1956, cheguei a negociar pessoalmente a interrupção de uma greve específica com o presidente do banco em pessoa, o Dr. João Nantes Júnior, pois eu era o presidente da Comissão Sindical. Conseguimos o que queríamos, mas fui demitido”, conta o ator, que em seguida foi trabalhar no The Bank of Tokio e ainda prestaria concurso para a Caixa Econômica Estadual antes de mudar definitivamente de profissão.

Essa experiência como bancário teria grande influência em sua futura carreira artística. “Conheço o funcionamento de um banco e isso foi fundamental e bastante útil, por exemplo, para as minhas peças de teatro Caixa Dois e Motel Paradiso , que tratam ambas de problemas de corrupção e ética num grande banco. Essas peças se tornaram grandes sucessos do teatro brasileiro”, destaca.


Em seu apartamento, em São Paulo
Carreira de sucesso

A comédia Caixa Dois trazia Juca de Oliveira como um banqueiro mau-caráter que usa a amante e secretária como “laranja” em operações financeiras ilegais. Mas seu plano naufraga e o personagem acaba entrando em conflito com o gerente de seu banco quando tenta recuperar o dinheiro perdido que, por um golpe do azar, vai parar na conta da mulher do próprio gerente.

Nascido em São Roque, no interior de São Paulo, Juca de Oliveira chegou à capital para trabalhar e estudar na Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Mas um teste vocacional revelou sua inclinação para ator e ele desistiu do futuro como advogado para ingressar na Escola de Arte Dramática de São Paulo. Em 1961, entrou para o notório TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), onde participou de peças consagradas como O Pagador de Promessas . Depois, passou para o revolucionário Teatro de Arena, onde fez, entre outras, Eles não Usam Black-Tie .

Militante comunista, Juca foi obrigado a se “auto-exilar” na Bolívia. “Gianfrancesco Guarnieri e eu usamos o tempo na Bolívia estabelecendo contato com estudantes e artistas ligados ao teatro. Passamos o tempo dando aulas de teatro – interpretação e dramaturgia – primeiro em Santa Cruz de La Sierra e depois em La Paz. Voltamos quando ouvimos pelo rádio a notícia da prisão do Maestro Edoardo Guarnieri, pai do Gianfrancesco”, relembra Juca. Na volta ao Brasil, assinou contrato com a extinta TV Tupi e alcançou o sucesso como protagonista da novela Nino, o italianinho, em 1969.

Contratado pela TV Globo, continuou emplacando personagens marcantes como João Gibão, em Saramandaia (1978) . Com a consagração nacional, montou sua própria companhia de teatro e investiu em sua outra grande vocação, a de autor. Obteve grande sucesso de público com Meno Male e as já citadas Motel Paradiso e Caixa Dois . Recentemente, retornou à televisão com outro personagem marcante, Augusto Albieri, na novela O Clone, em 2002.
“Além da adaptação do roteiro para cinema, estou terminando uma peça para Bibi Ferreira e começando a trabalhar na minha próxima peça. Fui convidado para Belíssima e Bang-Bang , duas novelas da Globo, mas no momento a minha prioridade é escrever e representar teatro”, diz Juca.

“Sou aposentado, mas continuo, como disse, a trabalhar – e muito. Minhas atividades prediletas são ainda o trabalho, os projetos, o sonho. A velhice e a morte são proporcionais à quantidade de passado que você traz dentro de você. Se para você não existe o passado, há apenas o presente e os projetos futuros, você é jovem, terá energia e disposição crescente para realizar os teus sonhos.”