|nº 109| Dezembro 05

Nesta Edição » Perfil - Wanderley Monteiro
Wanderley divide-se entre o samba e o BB
Músico, cantor e compositor carioca convive no dia-a-dia com o trabalho na Gerof e a carreira artística
Quem gosta de samba já ouviu – e cantou – a música Água de Chuva no Mar, sucesso lançado por Beth Carvalho que tem presença nas rodas de bamba de Norte a Sul do País. O que não se sabe é que um de seus compositores, o músico e cantor Wanderley Monteiro, divide seu dia-a-dia entre as apresentações artísticas e o expediente no BB, na Gerência de Operações Financeiras, da Diretoria de Finanças, Difin, no Rio de Janeiro. Rotina cansativa que só a paixão ao samba explica.

“Tem dia que não almoço para sair mais cedo e cumprir algum compromisso artístico. Meus companheiros no Banco dão muito apoio e só tenho a agradecer”, comenta Wanderley, que há seis anos se apresenta regularmente na casa de samba Candongueiro, em Niterói, e cumpre temporadas em outros espaços, como o Clube Renascença, no Rio, e o Bar Samba, em São Paulo.

A rotina de shows em bares e casas noturnas começou há mais de duas décadas, “primeiro por brincadeira, depois ficou sério”, conta. Mas o grande impulso na carreira aconteceu no início da década de 90, após tentativa frustrada de emplacar um samba-enredo na escola Unidos de São Clemente. “Eu e meu amigo de infância Álvaro Maciel começamos a compor e chegamos a fazer um samba para o bloco Aventureiros do Leme. Daí decidimos disputar o enredo da São Clemente para o Carnaval de 1994”, lembra.
O samba não foi o escolhido. Vendo o parceiro triste, Álvaro resolveu escrever uma letra (posteriormente musicada por Wanderley) inspirada no episódio: “Linda melodia, linda poesia/ Não achei defeito algum/ Mas samba- enredo/ Só ganha um”. A música, Vida de Compositor, sensibilizou Beth Carvalho. “Era um samba que já nascia clássico”, elogiou a cantora, a quem coube lançar a canção, em 1996. Wanderley, então, passou a fazer nome no cenário musical e a ter a agenda lotada de shows.
A produção artística também se multiplicou. “Tenho hoje cerca de 200 composições, com diversos parceiros. Zé Luís do Império, Carlos Caetano, Alcino Corrêa, Délcio Carvalho e Luiz Carlos da Vila, entre muitos outros”, lista Wanderley. “E canções gravadas por Nilze Carvalho, Dorina, o próprio Zé Luís do Império, o Luiz Carlos. Além, é claro, da Beth Carvalho”, resume. Todos esses contatos e parcerias, segundo ele, só foram possíveis a partir da freqüência em rodas de samba. “Isso é a continuação do trabalho profissional. Quando estou de folga, do Banco e dos compromissos musicais, vou às rodas de samba encontrar as pessoas, conversar, mostrar as composições, dar uma ‘canja’. É assim que surgem novos trabalhos, novos projetos.” E foi dessa forma, também, que pôde planejar seu primeiro trabalho solo, o CD Vida de Compositor, lançado em 2004 pela Seven Music. “Foi nas rodas de samba que conheci Paulão 7 Cordas, diretor musical do Zeca Pagodinho. Ele aceitou produzir o CD, escolheu as músicas e chamou músicos como o percussionista Marcus Esguleba e o violonista Marcos Diniz”, ressalta.
O CD conta com participações especiais como a de Tia Surica, tradicional figura da Velha Guarda da Portela, no coro da faixa Quem Dera Coração. A presença das já consagradas Vida de Compositor e Água de Chuva no Mar ajudou nas vendagens, mas a gravadora não renovou o contrato. “Estou pensando agora no segundo CD e para isso preciso de uma gravadora ou de um patrocínio. Quero fazer outro trabalho bem profissional, com os melhores músicos. Gostaria de incluir composições de outras pessoas, mas sei que, com isso, os custos aumentariam”, pondera o sambista.

Música em família

O envolvimento de Wanderley com a música começou em casa. O pai, Pedro, tocava acordeon. Mas foi o irmão mais velho, o violonista e cantor Alírio, quem o presenteou com um cavaquinho e ensinou os primeiros acordes. A partir daí, ainda na adolescência, começou a tocar nos bares do Leme, da Barra e de seu bairro natal, Botafogo. Aos 18 anos, já arriscava as primeiras composições com o amigo Álvaro. A carreira só foi interrompida, temporariamente, quando Wanderley prestou concurso para o BB e passou, em 1987, tomando posse em São Paulo, na antiga Agência Centro. “Todos que passaram no concurso foram destacados para o interior e capital de São Paulo. Nessa época me casei e dei um tempo da vida de sambista.” Wanderley ficou um ano e meio até ser transferido para o Rio, para uma agência no Andaraí. Ali, no início da década passada, sua carreira musical deslanchou. Em 1997, com o rodízio compulsório, foi para a Barão de Mesquita, onde, há quatro anos, passou para a Gerof.

A música em família, porém, prossegue. “Minha esposa, Iracema, é cantora. E meus filhos, Caroline, Alan e Camila também gostam de música. Lá em casa nem todo mundo bebe, mas todo mundo samba”, brinca. A preocupação com o bem-estar da família faz com que não abandone suas responsabilidades como bancário. “Quero melhorar minha posição no Banco e seguir carreira. Se a música acontecer, são outros quinhentos”, diz. Para ele, ainda é muito cedo para pensar em aposentadoria. Mas já conseguiu comprar seu apartamento.

“Acho que a música sempre vai estar em minha vida, se for para fazer alguma coisa depois de aposentado, será isso. Aqui no Brasil, infelizmente, todo mundo que se aposenta tem que continuar trabalhando, de uma forma ou de outra, por causa da situação econômica do País. No meio artístico não é diferente. Imagino seguir minha carreira no Banco e garantir uma aposentadoria. Mas ainda falta algum tempo, nunca pensei nisso. Concordo que é hora de começar a pensar. Se possível, gostaria de ter tempo e condições, no futuro, para também poder dar muita atenção aos filhos e netos”, completa.