|nº 110| Janeiro 06

Nesta Edição » Perfil - Sávio Moll
O pai e o palhaço
A história de Clóvis Torres Alves e de seu filho Sávio Moll, o palhaço Clóvis Socó, do Doutores da Alegria, revela uma relação de respeito e admiração
Os hospitais do Rio de Janeiro, ou melhor, seus pacientes, conhecem bem o Doutor Clóvis Socó. Sua especialidade é a “besteirologia”, indicada para “traumas ligados à hospitalização infantil: perda de controle sobre o corpo e a vida; atitudes negativas em relação às doenças e à recuperação”.
De verdade, o Doutor Clóvis é um palhaço que faz parte da equipe do Doutores da Alegria, organização que atende a uma média de 50 mil pacientes por ano em hospitais nas cidades de São Paulo, Recife e Rio de Janeiro. Trazendo conforto e alegria aos pacientes, como diz o nome da trupe.
Por falar em nome, o do personagem revela uma admiração. “Foi uma homenagem que quis fazer ao meu pai”, conta o ator e coordenador da unidade Rio de Janeiro dos Doutores, Sávio Moll, o homem por trás do nariz de palhaço. E a relação de admiração e carinho é mútua entre Sávio e seu pai, Clóvis Torres Alves.

Participante da PREVI, Clóvis é uma grande referência na vida e no trabalho do filho. Nascido em Miracema, no Rio de Janeiro, mudou-se na adolescência para Muriaé, Minas Gerais. Tomou posse no Banco do Brasil em 1952, em Ituiutaba, também em Minas. Trabalhou trinta anos no BB, até se aposentar em 1983. Seu último cargo foi o de vice-presidente da Associação Atlética Banco do Brasil de Niterói.
E o pai foi decisivo para a carreira do palhaço. “Ele teve grande preocupação com minha escolha. Respeitava a opção de cada um dos filhos, mas sempre dizendo: ‘pensem no futuro, vocês precisam de uma carreira'. Por isso, eu queria ser dentista. Aí, descobri o teatro, mas são caminhos difíceis de conciliar... Meus pais me ajudaram, pagaram o curso, me apoia-ram sempre”, conta. Ele lembra que é o único dos três filhos que trabalha com arte, mas que não houve nenhum conflito. “Como pai, a gente pensa em algo que dê uma boa retaguarda financeira, mas sempre o apoiei em sua escolha pelo teatro. É a vocação dele”, completa Clóvis.

“Meu pai
teve grande preocupação com minha escolha.
Ele respeitava a opção de cada um
dos filhos”

Doutores da Alegria

Além do apoio financeiro, veio também a inspiração. Sávio atribui seu forte “pendor cômico” ao pai. “Ele poderia ser um grande palhaço”, sustenta. O pai retruca. “Tenho verve humorística, gosto de contar piadas, mas nunca pensei em trabalhar com isso, até porque o trabalho no Banco era bom”, afirma.

Se o pai não seguiu a carreira, o palco abriu-se para Sávio quando, em 1998, os Doutores da Alegria, inicialmente concentrados em São Paulo, expandiram sua atuação para o Rio. A Instituição, sem fins lucrativos, que trabalha com crianças hospitalizadas, pais e profissionais de saúde, dá treinamento especial para que palhaços profissionais lidem com os dramas que encontram.
“Se a criança está com medo, eu reajo de um jeito, se está triste, de outro, é uma troca que acontece no momento”, explica. Ele diz que essa foi uma chan-ce de desenvolver uma linguagem, além de ser um trabalho social que valoriza. O pai complementa: “Sávio tem um gênio voltado para o social”.


Doutor Clóvis Socó em ação num hospital do Rio
Se no início houve alguma resistência, hoje a situação é outra. “Meus pais foram percebendo o profissionalismo, a credibilidade do trabalho, o que rompeu algumas resistências”, conta Sávio. “Eu fico envaidecido de ver meu filho fazendo um trabalho desses. Acho que qualquer pai ficaria orgulhoso”, afirma Clóvis, que acompanha tudo o que pode, seja em eventos abertos dos Doutores da Alegria ou em peças que o filho eventualmente faz.

Mas Clóvis também se preocupa com o próximo. Todas as semanas, junto com outros moradores, distribui sopa em áreas carentes do bairro de São Francisco, em Niterói, onde reside. “Agora, no final do ano, fizemos um evento especial, distribuímos presentes para as crianças”, conta. “O retorno você vê na postura das pessoas, no olhar, eles sentem-se tratados como gente”, diz. Para Sávio, não há novidade. “Eu cresci vendo meus pais fazendo esse tipo de trabalho nas pastorais ou na comunidade. É muito importante, acho que o mundo precisa disso”, orgulha-se.
Uma história de risos

Os Doutores da Alegria surgiram em 1986, nos Estados Unidos, com Michael Christensen, um palhaço diretor do Big Apple Circus, de Nova York, que durante uma apresentação comemorativa num hospital da cidade pediu para visitar as crianças internadas que não puderam participar da festa. No improviso, levou alegria aos pequenos. Essa foi a semente da Clown Care Unit, grupo de artistas especialmente treinados para levar alegria a crianças internadas.

A idéia chegou ao Brasil por meio de Wellington Nogueira que, em 1988, passou a integrar a trupe americana. Ao regressar ao país, em 1991, resolveu tentar aqui um projeto parecido. Em setembro desse ano, o Hospital e Maternidade Nossa Senhora de Lourdes, em São Paulo (hoje Hospital da Criança), recebeu os primeiros palhaços do programa brasileiro.