|nº 127| Set/Out 07

Nesta Edição » Social » Perfil - José Elias Riscalla

Uma administração humana

Presidência da PREVI e fundação da cooperativa de consumo. A vida de José Elias Riscalla confunde-se com momentos históricos do BB e da PREVI

“Entrei no Banco em 24 de junho de 1942. Comecei a trabalhar na agência de Campos (RJ) e, como já havia trabalhado em banco particular, fui guindado a atualizador de contabilidade da agência, que estava atrasada havia uns quinze anos. No expediente, no horário normal, tratava da carteira agrícola, atendendo à clientela, fazendo contratos etc. No extra, atualizava a contabilidade...” A história de José Elias Riscalla, como a de muitos funcionários, confunde-se com momentos históricos do BB e da PREVI.
Em relação à PREVI, ele conta que foi nomeado presidente numa situação crítica. Logo após a decisão do Banco de revitalizar a antiga Caixa de Previdência, em 1967, para que ficasse responsável pela complementação de aposentadoria de todos os funcionários. Sua missão principal era solucionar impasse entre os diretores nomeados pelo Banco e os conselheiros deliberativos eleitos. Havia descasamento entre o que os associados pagariam pelo financiamento imobiliário e os custos de construção, abalados pela inflação da época. Os nomeados pelo Banco diziam que não podiam ampliar o crédito e a única maneira de receber os imóveis seria a injeção pelos associados de recursos próprios. Os eleitos argumentavam que a PREVI tinha assumido a responsabilidade e não podia deixar de cumpri-la. A maioria eleita decidiu pela segunda opção, mas o presidente anterior da PREVI, nomeado pelo BB, que tinha o voto de Minerva, vetou a decisão.
Com o impasse, a direção do BB resolveu trocar seus nomeados e chamar alguém que pudesse resolver o problema. Riscalla resolveu enfrentar o desafio. Depois de consultar a assessoria jurídica, descobriu que poderia perder uma série de ações na Justiça. A solução foi entregar os imóveis, mesmo perdendo dinheiro nas obras acabadas, economizar naqueles imóveis que ainda estavam em construção e buscar novas receitas. “Uma alternativa foi pegar os recursos da PREVI aplicados no BB a juros abaixo do que pagava o sistema financeiro e aplicar em open market diretamente no Banco Central”, diz .
A reação não demorou. “Fui chamado pela direção do BB, que não gostou da medida, dizendo que tinha sido nomeado por eles e estava dando prejuízo ao Banco. Minha resposta foi que, na verdade, pensava muito neles, ao evitar que passivo enorme fosse gerado para o BB no futuro. Os juros que estavam sendo pagos davam prejuízos à PREVI, que depois teriam de ser cobertos pelo Banco. Sugeri que o dinheiro fosse mantido no BB, mas com a remuneração do open market”, relata.
Com orgulho, Riscalla diz que só com essa medida foi possível construir um prédio com mais de 80 apartamentos. Ele lembra também que, à época, a PREVI tinha necessidade de atrair os funcionários do Banco para que todos se tornassem associados. Só para lembrar, os funcionários contratados antes de 1967 tinham sua complementação garantida pelo BB e não precisariam, em tese, passar a contribuir para um fundo de pensão. Uma das estratégias usadas por Riscalla e sua diretoria foi, em lugar de restringir, ampliar e transformar o Financiamento Imobiliário num atrativo para quem se associasse.
“As vantagens para quem aderia à PREVI eram o Financiamento Imobiliário e o Empréstimo Simples, porque a complementação de aposentadoria teria de ser garantida pelo Banco. Para que as pessoas se definissem logo, tomei a decisão de incrementar a carteira imobiliária, chamando 200 pessoas por mês, treinando equipe, preparando toda a burocracia e dinamizando a carteira. No caso do Empréstimo Simples, um chefe de seção não podia levantar um salário de empréstimo. Fui à Caixa Econômica e vi o que se fazia lá e abri um leque maior para pagar. Com isso, as pessoas foram sendo atraídas, até a PREVI se tornar a unanimidade que é hoje”, relata. Além da necessidade de atrair os associados, teve de enfrentar também a falta de estrutura que existia. “Não havia técnicos em atuária nem computadores para fazer os cálculos das reservas e obrigações da PREVI. Montamos esse setor para organizar o serviço e botar dentro dos computadores todos os números”, diz.

A pessoa como prioridade
Antes de entrar na PREVI, Riscalla participou de momentos marcantes da história do Banco. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, por exemplo, junto com cerca de 20 funcionários, foi um dos fundadores da Cooperativa dos Funcionários do BB. Décadas depois, quase se tornou seu liquidante. Da época, recorda-se de um episódio com muito carinho. “Já tinha até sentado à máquina de escrever para fazer um edital de extinção da cooperativa. Daí, encontrei um bilhete num caderninho que carregava no bolso e que guardo comigo até hoje: ‘Ânimo, meu marido, mostre toda a sua fibra, estou sempre com você e, com a proteção de Deus e os meus pedidos, você vai fazer a cooperativa ser respeitada e apreciada por todos.’” Rasguei o edital e resolvi fazer uma exposição à direção do Banco dizendo que precisava de recursos para pagar as dívidas e restaurar seu nome. Felizmente, isso aconteceu”, recorda. O bilhete responsável pela guinada fora escrito pela esposa no final de semana anterior, em Petrópolis (RJ).
Riscalla guarda também o que diz ser sua maior lição de recursos humanos. Numa madrugada, foi acordado às 2h por um dos carpinteiros da cooperativa, o Zé da Ilha, que disse que um amigo havia perdido um filho e estava sem dinheiro para o enterro. “Fomos até a casa dele. Chegando lá encontro uma casa de pau-a-pique, chão de terra batida, com uma criança nua morta numa mesa sem toalha, com outras duas crianças em volta.”
Compraram o que era necessário, deram dinheiro para o enterro, mas, voltando para o Rio, Riscalla decidiu reunir a direção da cooperativa e falou sobre o quadro que vira. Daí, foram tomadas medidas como servir café e lanche para os funcionários, fazer convênio com uma clínica para atendimento médico e acordo com uma farmácia para os remédios. “Depois dessas medidas, em três meses saímos do vermelho. Essa foi a melhor lição de recursos humanos que já tive. Daí em diante, não sei tratar ninguém sem olhar o lado dele, o lado das necessidades da família”, ensina.