|nº 133| Jun 08

Nesta Edição » Entrevista - O superávit em pauta

O superávit em pauta

De acordo com declarações do secretário de Previdência Complementar, deve ser divulgada em junho minuta de resolução sobre a destinação dos superávits dos fundos de pensão. A normatização da Secretaria de Previdência Complementar (SPC) deverá conter parâmetros que podem influenciar o debate na PREVI.

Afinal, como será utilizado o superávit? Esta é a pergunta que está na mente dos associados desde a divulgação dos resultados de 2007. Há muitas hipóteses em discussão e fatos novos, como a resolução da SPC e as recentes oscilações no cenário econômico, que influenciarão os debates.

Conforme entrevistas já concedidas pelo dirigente da SPC, a minuta deverá tratar de questões como o melhor enquadramento contábil dos superávits e sugerir análises mais conservadoras antes da destinação dos recursos.

O importante é que a discussão sobre o superávit está na ordem do dia, embora se saiba que o caminho é longo, dependendo de debate entre Banco do Brasil, participantes e entidades representativas dos aposentados, apreciação da Diretoria Executiva e Conselho Deliberativo, além do trâmite no Ministério do Planejamento e órgãos fi scalizadores, como a SPC.

Para enriquecer as discussões, a Revista PREVI entrevistou o atuário Colin Pugh, membro da Sociedade de Atuários dos Estados Unidos, do Instituto Canadense de Atuários e consultor em diversos projetos de previdência complementar realizados em países de todos os continentes, inclusive América do Sul. Colin foi um dos palestrantes do seminário Estrutura da Previdência na Europa, promovido pela Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar (Abrapp) e realizado em Paris, no período de 20 a 28 de maio deste ano.

Na entrevista, Colin traz para o debate um pouco das experiências internacionais sobre utilização de superávits, fala do sistema brasileiro e, em muitas questões, destaca a palavra cautela como denominador comum de suas idéias.

Revista PREVI – É comum a ocorrência de déficits ou superávits nos fundos de pensão, como resultado das variações naturais tanto nos valores dos ativos quanto dos passivos?
Colin Pugh – Sempre haverá superávits e/ou déficits em planos mistos e de benefício defi nido. Ainda que todas as suposições feitas pelos atuários sejam realistas e continuem sendo válidas por um longo tempo, sempre haverá alguma volatilidade. É impossível que todas essas previsões estejam absolutamente certas todos os anos. Por exemplo, os retornos sobre investimentos em ativos não são igualmente regulares em um percentual anual. Haverá anos bons e anos ruins, com superávits e déficits. A inevitabilidade das pequenas variações tem que ser compreendida e aceita. Se são superávits ou déficits recorrentes, então é preciso reavaliar se as suposições dos atuários são válidas por longo tempo. Cito duas situações-chave: retorno sobre investimentos e longevidade dos aposentados, isto é, por quanto tempo os funcionários receberão benefícios após a aposentadoria. No primeiro exemplo, o excelente retorno sobre investimentos no Brasil nos últimos anos significa que os fundos de pensão: a) continuarão a obter retorno altíssimo por muitas décadas no futuro; ou b) recuarão e ganharão o retorno previsto pelos atuários no longo prazo; ou c) ganharão muito menos do que o previsto para o longo prazo, após o estouro da bolha de investimentos? Os cenários “a” e “c” demandam alterações nas previsões atuariais, mas em direções opostas e com implicações opostas. O grave erro cometido por vários países no anos 1990 foi o de assumir o cenário “a”, quando a realidade era “b” ou “c”.

Revista – De forma geral, essas situações são bem reguladas pela legislação de países com maior tradição em previdência complementar baseadas em regimes de capitalização?
Pugh – A cobertura de défi cits é fortemente regulada nesses países, mas ainda não é claro se são bem reguladas. De uma perspectiva internacional, a mais importante observação neste momento é que esses países estão se movendo em direções completamente diferentes. Então, claramente não há consenso internacional sobre as melhores práticas recomendadas. Seria útil para o Brasil rever os erros cometidos e as boas idéias geradas nesses outros países, mas isso deve ser feito sem ilusões. A regulação mínima perfeita para fundos de pensão não existe, e cada país deve evoluir a seu modo.

Revista – Quais são, na sua opinião, as melhores práticas ou a melhor regulamentação para tratar das situações de superávit?
Pugh – Em termos gerais, as melhores práticas deveriam começar pela prudência e talvez até mesmo um pouco de ceticismo diante de um aparente excesso de recursos do plano. Simplificando, superávits obviamente acontecem quando os ativos superam o passivo do plano, mas é preciso olhar os cálculos de cada parte dessa equação. Se os ativos do fundo são calculados a partir do valor atual de mercado (a abordagem mais comum), este valor está superestimado por alguma excitação temporária do mercado? Este valor atual mede apropriadamente a situação presente do fundo e sua estabilidade financeira de longo prazo ou está exagerado? Mas se o superávit foi gerado primariamente por alto retorno dos investimentos em um momento passageiro de aquecimento do mercado, a melhor prática seria apartar parte do superávit em uma reserva de contingência. O outro lado da equação, o cálculo das obrigações do plano, é mais complicado. Exemplos clássicos de premissas demasiado otimistas são: os investimentos futuros continuarão a dar retorno nos mesmos índices elevados; utilizar tábuas de mortalidade que subestimam por quanto tempo os aposentados vão viver e receber seus benefícios. Essas duas preocupações são relevantes para o debate atual no Brasil. A segunda questão diz respeito ao chamado tratamento assimétrico dado a déficits e superávits em muitos países. Há países e situações nas quais o patrocinador do plano é 100% responsável para arcar com os déficits do plano – por meio de contribuições adicionais do empregador – mas os superávits são considerados propriedade dos participantes do plano (os empregados) e deveriam ser gastos na melhoria dos benefícios. Apesar desse tipo de postura parecer favorecer aos participantes do plano, isso não é verdadeiro no longo prazo.

Revista – Sabemos que não é possível prever com exatidão tudo que vai acontecer no futuro. Apesar das projeções adotadas pelos fundos de pensão, há sempre riscos imprevisíveis. Como os fundos devem tratar tais incertezas? Tal realidade recomenda uma postura forte de conservadorismo?
Pugh – Fundos de pensão devem ser administrados prudentemente. Isso implica um grau de conservadorismo na definição das premissas atuariais e no cálculo das taxas de contribuição. Isso implica cautela no uso dos superávits e uma firme condução das situações de déficit. Entretanto, isso não implica um excesso de conservadorismo – apenas uma atitude prudente. No caso de riscos imprevisíveis ou uma verdadeira catástrofe (como por exemplo, a morte simultânea de um grande número de empregados em um acidente, gerando muitas pensões por morte no plano), os fundos de pensão são conscientes de que devem contratar resseguro em seguradoras. Entretanto, isso presume que há um mercado de seguros competitivo no país ou que é permitido acessar o mercado internacional.

Revista – Em termos atuariais, quais devem ser as maiores preocupações para se chegar a um cálculo bastante seguro dos passivos dos fundos?
Pugh – As duas principais preocupações já foram identificadas. A primeira é o uso de uma taxa de juros (taxa de desconto) excessivamente otimista para calcular as obrigações do fundo. Isso resultará em um passivo subestimado e dará impressão equivocada sobre as reservas do plano. A segunda é a longevidade – a presunção que muitos fundos de pensão fazem de que os futuros aposentados viverão o mesmo que os atuais aposentados ou como a maioria da população. Essas são previsões perigosas em países desenvolvidos e em economias em rápido desenvolvimento, e para planos de aposentadoria cujos membros estão entre os segmentos mais bem pagos e mais saudáveis da população.

Revista – O senhor conhece um pouco sobre a situação da previdência complementar no Brasil. Qual a sua opinião sobre o sistema brasileiro?
Pugh – Estou impressionado com o sistema de previdência complementar no Brasil. Ele é altamente desenvolvido e tem uma longa e bem-sucedida história. O ambiente regulatório evoluiu naturalmente desde 1997 e especialmente com as Leis no 108 e no 109, de 2001, e as resoluções seguintes da CGPC (Conselho de Gestão da Previdência Complementar). A clarifi cação da regulamentação em alguns aspectos ainda é necessária, e eu espero que aconteça sem o País cair na armadilha da regulamentação excessiva. A gestão dos investimentos é de alta qualidade, e continuará a evoluir e melhorar. Se a competência dos atuários com os quais eu tive contato for representativa de toda essa categoria profi ssional, então o Brasil está bem servido também nessa área. Eu penso que um desafi o para os atuários brasileiros, e para a regulação dos cálculos e recomendações atuariais, é uma compreensão e uma avaliação das práticas atuariais em outros países.

Revista – Recentemente, alguns fundos de pensão no Brasil acumularam superávits, o que colocou o tema na agenda de discussão dos órgãos reguladores, dos participantes e das empresas patrocinadoras. Que sugestões o senhor daria para este debate?
Pugh – As respostas simples, e talvez superfi ciais, para essa pergunta são: seja cauteloso! E aprenda com todos os terríveis erros cometidos por outros países durante a década de 1990! A SPC permite que as obrigações possam ser calculadas usando uma taxa máxima de juros reais (taxa acima da inflação) de 6% ao ano. Entretanto, é realista calcular as obrigações a partir da premissa de que as taxas de retorno sobre investimentos continuarão tão elevadas por décadas? Uma taxa de juros reais de 6% ao ano é inconcebível nas chamadas economias desenvolvidas. Ela será sustentável no Brasil quando o País, brevemente, entrar para esse clube? A PREVI já começou a utilizar uma taxa menor em seus cálculos e pode ter que fazer mais ajustes no futuro. As outras premissas usadas no cálculo das obrigações, mas especialmente as premissas envolvendo a longevidade dos aposentados, também têm que ser cuidadosamente examinadas.

Revista – Em suma, para o Brasil:
Pugh – Primeiro, tenham a certeza de que vocês estão confortáveis com os cálculos que mostram grandes superávits. Então, com a certeza de que esses superávits realmente existem, pensem em constituir reservas de contingência contra o risco de resultados negativos futuros. Utilizem o superávit remanescente com sabedoria, de um modo prudente e construtivo. Melhorem a compreensão dessas questões-chave. Considerem todas as opções, e debatam suas vantagens e potenciais desvantagens, antes de chegar às decisões finais. Boa sorte! A maioria dos países já não pode mais dar-se ao luxo de sequer discutir reservas excedentes. Tentem fazer um trabalho melhor do que eles fizeram quando tiveram superávits no passado!