|nº 115| Junho 06

Nesta Edição » Entrevista - Mário Sérgio Cortella
Não nascemos prontos

O filósofo, educador e escritor Mário Sérgio Cortella explica, em seu novo livro, que a idéia de que quanto mais se vive mais velho se fica só seria verdadeira se nascêssemos prontos e fôssemos sendo gastos

Mário Sérgio Cortella é filósofo, teólogo, professor do departamento de Educação da PUC-SP e, agora, escritor de sucesso. Filho de professora com um bancário do Mercantil – "quem dera fosse do Banco do Brasil, porque minha mãe estaria muito mais bem amparada hoje", conta – Cortella é conhecido dos funcionários do BB, por colaborar com artigos para algumas edições do Diário de Bordo, publicação da BBTur.

Nesta entrevista exclusiva à Revista da PREVI, fala sobre suas Provocações filosóficas, publicadas pela editora Vozes em dois volumes, Não Espere pelo Epitáfio... e Não Nascemos Prontos!. Ele se considera um filósofo em condição diferenciada, porque vem obtendo resultados expressivos de venda ao produzir textos que causam "algum espanto, um pouco de prazer e, eventualmente, um certo desconforto", segundo ele próprio. Confira os principais trechos da conversa.

Revista PREVI – Em seus últimos livros, o senhor usa "provocações filosóficas". Qual a motivação para a publicação?
Mario Sérgio Cortella – Em 1973, quanto entrei no curso de Filosofia, o grande poeta Mário Quintana publicou o livro Caderno H, coletânea de textos de sua coluna no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Eu, que era leitor da coluna do poeta, recebi da Vozes o convite para lançar um novo livro em comemoração aos 105 anos da editora. Decidi, por sugestão de minha mulher, Janete Leão, jornalista, seguir o exemplo do que fez Mário Quintana. Não por escrever tão bem quanto ele, mas por compartilhar o prenome. Foram dois livros de uma seleta de provocações filosóficas, nome usado por sugestão da Janete, com artigos publicados nos últimos dez anos em jornais. O primeiro foi Não Espere pelo Epitáfio... Sabe aquela música dos Titãs: "Devia ter amado mais, visto o sol nascer"? É mais ou menos essa idéia. São 32 provocações sobre amor, trabalho, vida, morte, publicadas em outubro de 2005. Agora, em março, lancei o Não Nascemos Prontos! No primeiro, o prefácio é de minha esposa, enquanto, no segundo, de André Cortella, publicitário e meu filho. Eles dizem como é ser casada ou ser filho de um filósofo, pessoa que, supostamente, vive num mundo de idéias.
Revista – Qual a diferença entre um livro convencional e uma coletânea de artigos?
Cortella – Por serem retirados de jornais, os textos carregam um pouco de didática, sem ser simplórios, o que tem agradado a muita gente e a mim mesmo. O primeiro livro foi lançado com 10 mil exemplares e já está na segunda edição. O segundo está sendo reimpresso, feito gratificante para um filósofo como eu. São provocações que têm causado algum espanto, um pouco de prazer e, eventualmente, certo desconforto.
Revista – Muitos dos associados que recebem a Revista da PREVI são aposentados. É para pessoas como eles o artigo Não nascemos prontos que dá título à última obra?
Cortella – O título vem da convicção de que não nascemos prontos. Podemos pensar tanto em pessoas, sociedades, instituições. São todos projetos em construção. A principal característica humana é a capacidade de se reinventar. Por isso é que costumo dizer que, em 2006, sou minha mais nova edição, revisada e um pouco ampliada. A primeira vez em que discuti essa idéia foi justamente dirigida para um grupo de aposentados. Mas muitas pessoas caem na armadilha de acreditar que quanto mais se vive, mais velho se fica. Isso só faria sentido se nascêssemos prontos e fôssemos sendo gastos. Isso ocorre também porque muita gente confunde emprego com trabalho, que podem ser diferenciados pela definição. Emprego tem como resultado final a renda, enquanto o trabalho tem a finalidade de proporcionar prazer. Quando se consegue juntar ambos é ótimo. Ao se aposentar, as pessoas se desligam de seus empregos, mas não do trabalho, de suas atividades diárias, da construção de si mesmos, de aprendizados etc.
Revista – O senhor já foi secretário municipal em São Paulo, substituindo, aliás, o professor Paulo Freire. Como vê o papel da educação no combate à violência urbana?

Cortella – Sem demagogia, substitui o secretário de Educação, não o professor Paulo Freire, porque ele é insubstituível. Eu era secretário adjunto em 1989 e 1990 e depois, em 1991 e 1992, assumi a Secretaria. E o próprio Paulo Freire já dizia que não será a escola sozinha a trazer a mudança social. Mas, sem ela, essa mudança não será feita. A violência não surge pela ausência de escolaridade, mas é incrementada por ela. Menos escola é mais violência, porque ela compõe a possibilidade de criação de projeto de vida. A falta de perspectivas produz vítimas, e mais adiante vítimas das vítimas.