|no 130| Março 08

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Preparação deveria começar na infância

Revista PREVI – Está ocorrendo aumento da longevidade e, conseqüentemente, as pessoas ficam mais tempo aposentadas. Isso acaba gerando problemas?
Ana Fraiman –
Mesmo as pessoas que têm muita competência, mas foram educadas para “uma carreira para a vida”, têm problemas porque são altamente competentes para a tomada de decisões naquilo que já conhecem. Fecham grandes contratos, têm expertise profissional...
Mas pouco traquejo pessoal, social, pouca intimidade na convivência familiar. E, na busca por reinserção no mercado, vão receber muito mais respostas negativas do que positivas. Na hora em que a pessoa se desliga da empresa, ela não tem mais uma máquina por trás. Isso faz também com que muita gente boa não consiga se recolocar.
As pessoas estão vivendo mais, mas também há uma cultura consumista. O aposentado ainda “segura a barra” de pelo menos três ou quatro gerações da família: os pais que não têm previdência, os filhos desempregados, os netos que precisam ir à escola.

Revista – Como se preparar para essa fase? É possível amadurecer para se aposentar?
Ana –
Olha, idealmente, a preparação deveria começar na infância. Uma cultura que passasse visão de longo prazo, de prevenção, de preservação, de investimentos, acúmulo de capitais prevendo tempos difíceis. Todo mundo que se dá bem na vida tem aquele dinheiro que guarda para o caso de que alguma coisa lhe aconteça... É uma cultura de prover para os tempos difíceis.
Outra coisa, embora saúde não seja tudo, é quase tudo. E as pessoas abusam. Não existe o que se chama de doença da idade, o que existe é que, conforme a idade chega, vamos pagar os pedágios e as multas pelos abusos cometidos. Temos uma atitude geral de muita leviandade para com nossa saúde. Esses hábitos em relação a dinheiro e saúde mereceriam uma outra focalização da própria educação.
Fora isso, aspecto que tenho trabalhado muito é o do “net living”, a construção de uma rede social de verdadeiros amigos com que você possa contar quando já estiver fora da empresa. São os amigos que vão dar uma sustentação para uma qualidade de vida além do dinheiro e da saúde.

Revista – Existe também muita gente que volta a trabalhar. Outros partem em busca de sonhos que sempre tiveram e alguns passam a ser os “faz-tudo” para familiares. Existem diferenças entre esses grupos?
Ana –
Sim, mas existem vários outros tipos de pessoas, inclusive aqueles que, quando se aposentam, precisam ser cuidados. Há também aquelas personalidades que são dependentes, precisam que as pessoas necessitem delas. São grandes líderes e ótimos “cuidadores”, mas na hora que não têm a quem liderar e de quem cuidar “desparafusam”.
Temos também aquele que sonha ser consultor, como se fosse fácil. Deveríamos ter uma faculdade que formasse o consultor, porque esse não é um “palpiteiro”, tem de ser bom negociador, de ser seu próprio departamento de marketing e pessoal, escrever muito bem, falar muito bem, ter espírito aventureiro... Um consultor não se forma porque a pessoa é boa naquilo que fez, ele precisa ter uma versão generalista de muita coisa, uma formação multiprofissional.

Revista – É possível que esse sonho que se esperou a vida inteira também frustre?
Ana –
O sonho pode ser maravilhoso, mas concretizá-lo requer habilidades que você pode descobrir que efetivamente não tem. Todos os sonhos vão requerer um trabalho árduo, disciplinado. Realizar o sonho é uma empreitada. Nos primeiros anos após a aposentadoria, pouca gente está recolocada, feliz e satisfeita. É necessária uma reconstrução da identidade, da sociabilidade, da dinâmica da família e aprendizagem em relação a uma nova empreitada. Mas não podemos ficar apenas com uma visão pessimista, existe saída. Há pessoas que vão se aposentar e estão preparadas, que têm garra, força própria e permanecem firmes, têm uma ação positiva mesmo numa situação adversa.

Revista – A sociedade ainda discrimina as pessoas que vivem mais, que são aposentadas?
Ana –
Com toda a certeza. O aposentado precisa de seus direitos, receber sua aposentadoria corrigida, poder pedir empréstimo no banco... Mas existem barreiras para o aposentado adquirir bens, fazer compras de longo prazo, manter os convênios médicos... Existem barreiras muito sérias e reais. Mas a grande discriminação é a autodiscriminação ou mesmo a do círculo de colegas e amigos, que fazem brincadeiras do tipo: “sai da frente, você já fez o que tinha de fazer, ‘larga o osso’ ”. São usados termos pejorativos... Trabalho há 26 anos com isso e eu estou lançando um livro, “A Era do Javali”. Já escutei muitas pessoas dizendo: “Ah, já vali muito para essa casa”.